São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997
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Selo ou não selo, eis a questão

LUIZ GUSHIKEN; JOSÉ CARLOS ALONSO

LUIZ GUSHIKEN
JOSÉ CARLOS ALONSO
Na reunião ocorrida em Genebra entre os dias 3 e 19 de junho, a mais recente proposta da OIT em defesa dos direitos dos trabalhadores esbarrou na resistência dos governos de Brasil, China, Índia e Indonésia, abrindo espaço para um interessante debate e, de nossa parte, algumas considerações.
O presidente da OIT, Michel Hansenne, defendeu que fosse adotado em escala mundial um sistema de etiquetas sociais a ser estampadas em embalagens de produtos de exportação. Tal sistema funcionaria como parâmetro para aferir quais mercadorias foram produzidas em condições humanas de trabalho.
Segundo Hansenne, num cenário de economia globalizada, a competição exagerada descuida de alguns valores fundamentais -com o que concordamos.
A China, por exemplo, que tem evitado contestar reiteradas denúncias de desrespeito aos direitos humanos e de salários irrisórios pagos aos operários, certamente teve suas razões para se posicionar contra essa proposta.
No Brasil, onde é precário o cumprimento da legislação trabalhista internacional e pululam denúncias de exploração de trabalho infantil e de trabalho escravo na agricultura e na mineração, o governo investiu na rejeição do "selo social".
A alegação de setores da diplomacia brasileira de que, na prática, a implementação dessa medida resultaria em barreira alfandegária a favorecer os países ricos não se sustenta, posto que o ingresso de produtos asiáticos no Brasil tem contribuído para o desemprego em nosso país.
Ainda em defesa da tese de que a proposição da OIT contemplaria os ricos, desfaçatez maior é a de alguns empresários brasileiros com a justificativa de que, nos EUA, trabalhadores e empresários apóiam a proposta.
Ora, mesmo tendo em vista que lá o custo da mão-de-obra é de US$ 16,40 hora contra os US$ 2,68 hora pagos aqui, não existia nenhum indicativo de que após o selo social haveria sanções comerciais ao Brasil. Ademais, todos sabemos que, quando eles desejam impor sanções ou embargos comerciais a qualquer nação, fazem-no com ou sem o selo.
Sem dúvida, a reflexão que todo esse debate nos coloca é sobre a oportunidade ou não de criar internacionalmente uma cláusula social impeditiva de que a competitividade de empresas seja baseada no aviltamento dos salários, sendo ainda sustentada por mercados de trabalho com regulamentação precária.
Nesse sentido, não se trata de fenômeno isolado o episódio que vem ocorrendo na região do ABC, na Grande São Paulo, onde se tem verificado a migração de indústrias para outras regiões do país. Com o advento da globalização, o frenesi capitalista de buscar mão-de-obra farta e barata corre pelo mundo afora, atingindo agora também os trabalhadores especializados.
Cabe destacar aqui a recente declaração à imprensa de Yuri Momomoto, da Fujitsu: "Há excelentes engenheiros na China, mas lá eles não têm muito o que fazer. Por isso, nós estamos tratando de desenvolver centros de software".
Aliás, é mesmo unânime o entendimento entre executivos de grandes multinacionais de que os engenheiros asiáticos custam menos.
Naturalmente, tendo em vista a vocação notadamente pouco social do capitalismo, que, na ânsia de lucros cada vez maiores, sempre busca custos e salários menores, compete aos governos investir e legislar emprestando todo o apoio a propostas que imponham limites a essas desmedidas ambições.
Nossa expectativa para a reunião do próximo ano em Genebra é que haja maior sensibilidade a esse tipo de proposição, uma vez que a grande questão é enfrentarmos de forma civilizada os desafios que a globalização nos impõe.
Nesse contexto, o selo contribuiria para demarcar importantes dimensões de civilização que devem ser respeitadas.
Os custos de nos mantermos dentro dos marcos dos direitos humanos e da cidadania, preservando o caráter social do emprego, certamente serão bem menores se comparados aos tributos a ser pagos à barbárie.

Luiz Gushiken, 47, é deputado federal pelo PT de São Paulo e membro titular da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.

José Carlos Alonso, 38, é diretor-representante dos empregados na Caixa Econômica Federal.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Aloysio Biondi

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