São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997 |
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A Broadway é aqui
ARMANDO ANTENORE
Inusitado é a dupla se reunir por iniciativa de um diretor teatral principiante, que planeja transformar "O Cortiço", clássico da literatura brasileira, num musical com a cara da Broadway. O novato se chama Rodrigo Pitta. Nasceu em São Paulo e completou 21 anos recentemente. Como denuncia o sobrenome, tem parentesco com o prefeito paulistano, Celso Pitta. "É só um primo longínquo. Não me abriu porta nenhuma", enfatiza, enquanto detalha o currículo ainda magro. Frequentou cursos de dramaturgia em Londres e numa escola de Nova York, a American Direction and Art, mas assinou apenas um espetáculo profissional, "Pocket Broadway". A peça, com Patrícia de Sabrit e mais 25 atores, ocupou o palco do Palladium (SP) em novembro do ano passado. O pouco tempo que permaneceu em cartaz -duas semanas- bastou para revelar a obsessão do diretor pelo showbiz dos EUA. A montagem compilava trechos de musicais norte-americanos célebres, como "Cats" e "Hair". "A Broadway é meu parâmetro. No Brasil, não se faz nada parecido. Uns e outros insistem em alardear que produzem espetáculos do mesmo nível. O público engole por falta de informação. Mas quem conhece sabe que não é bem assim", diz, sem receio de soar arrogante. Sonhando em realizar "um musical com 'm' maiúsculo", adaptou "O Cortiço" para os dias de hoje. O livro do maranhense Aluísio Azevedo (1857-1913) se desenrola no Rio, em fins do século 19. "Resolvi não só atualizá-lo como tirá-lo do cenário carioca", explica Pitta. "O Rio é muito explorado pela indústria cultural brasileira. Quero fugir do clichê." Escapou de um, mas caiu em outro: a Bahia. A versão musical do romance se passará no Pelourinho (centro histórico de Salvador). "É um clichê menos clichê, não acha?" É, sobretudo, pretexto para o diretor incluir Brown e Lindsay entre os compositores da peça. Caetano Veloso também está na mira. Recebeu a sinopse do espetáculo e a missão de conceber a música-tema, mas ainda não decidiu se aceitará o convite. Brown acaba de assinar o contrato em que se responsabiliza por uma canção e pelo "ritmo percussivo" da montagem (leia texto à esquerda). O guitarrista norte-americano Arto Lindsay -que cresceu em Garanhuns (PE) e já produziu discos dos dois baianos- escreverá outro par de composições. "Não me importo com a pouca idade de Rodrigo. Interessam-me as boas idéias", afirmou o músico à Folha na segunda-feira, de Londres, onde estava se apresentando. Lindsay contou que conheceu o jovem encenador por meio do artista plástico Alberto Pita, "figura-chave do carnaval de Salvador", além de ponte para se entender como o projeto de "O Cortiço" decolou. Alberto, embora carregue um "t" solitário no sobrenome, é primo em primeiro grau de Rodrigo -e, aqui sim, o parentesco logrou abrir portas. Diretor artístico do Olodum, o Pita da Bahia cultiva velha amizade com Brown e Caetano, que são amigos de Lindsay. Quando soube que o Pitta de São Paulo precisava de ajuda, tratou logo de mexer os pauzinhos. "As coisas por lá funcionam assim, o profissionalismo se mistura com o afetivo, a camaradagem", resume Rodrigo. Se facilitou os contatos, Alberto Pita também assumirá a cenografia e os figurinos do musical. Dividirá o trabalho com a paulistana Paola Scartezini, que integrou a equipe do programa infantil "Castelo Rá-Tim-Bum". A peça deverá estrear dentro de quatro meses em um galpão industrial da Vila Olímpia (zona sul de São Paulo), que se converterá num teatro. "O cenário reproduzirá o Pelourinho por meio de andaimes, projeções de vídeo e panôs com ícones do candomblé", adianta Pita. "Os figurinos priorizarão a cambraia, as cores fortes e as transparências", completa Paola. O elenco somará 30 atores em início de carreira, 12 músicos e dez componentes da Timbalada, grupo que Brown comanda no Candeal, bairro humilde de Salvador. O saxofonista Marco Deléo e o baixista Jurandir Gomes irão compor a maioria das 21 músicas do espetáculo. Os ritmos, ecléticos, saltarão do maracatu, funk e samba-reggae à balada romântica. O custo da empreitada (R$ 500 mil) ficará por conta de um pool de patrocinadores, ainda indefinido. Melhor romance de Aluísio Azevedo, "O Cortiço" se debruça sobre o cotidiano de uma comunidade de trabalhadores. Mereceu o louvor da crítica por simbolizar todo um processo de transformação socioeconômica que os centros urbanos brasileiros presenciaram na virada do século. Ao transpor a trama para a atualidade, o musical recriará alguns personagens. A ex-escrava Bertoleza, por exemplo, se transmutará em uma refugiada cubana. O homossexual Albino irá virar a drag queen Sybilla. Próximo Texto: "Diretor sonha com 'Cats', mas produzirá 'Dogs'", prevê Brown Índice |
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