São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997 |
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"Diretor sonha com 'Cats', mas produzirá 'Dogs'", prevê Brown
DA REPORTAGEM LOCAL Em entrevista à Folha, Carlinhos Brown conta que nunca leu "O Cortiço". "Tenho dificuldades com a palavra escrita."O percussionista e cantor baiano também explica que aceitou participar do musical por se julgar "tão iniciante quanto Rodrigo Pitta". A conversa telefônica se deu no último sábado e durou pouco mais de 30 minutos. Brown estava em Salvador, gravando o próximo disco da Timbalada. * Folha - Por que você decidiu se engajar no projeto de um diretor iniciante? Carlinhos Brown - Porque também estou principiando. Sinto-me tão iniciante quanto Rodrigo Pitta. E sou, por natureza, um colaborador, um ativista. Se alguém me propõe arriscar, se me oferece o risco do novo, aceito na hora. As artes do Brasil vivem, hoje, a "Semana de 30", um movimento cultural sem líderes. É um fenômeno que merece a atenção de todos nós -e eu não abdico do dever de estar atento. Para os críticos, interessa apenas o clássico, o consagrado, Ginger e Fred. Mas o clássico só é clássico porque sobrevive no gosto popular. Então, nada mais natural que garimpar o clássico entre os novatos, entre os que se misturam à massa, os que ainda não se desvencilharam do povo. Folha - Quantas músicas você irá compor para a peça? Brown - Canção, com letra e melodia, escreverei somente uma. De resto, emprestarei o know-how batuqueiro da Timbalada para os meninos. Vou conceber os ritmos percussivos do espetáculo. Não posso dizer que essa música é minha. Não me considero autor de nada. Apenas capto os ritmos do Brasil, dos afro-cubanos, do mundo mouro, dos portugueses. Recrio, simplesmente, aquilo que meu mestre, o percussionista Pintado do Bongô, chama de sotaque. Folha - Você já leu "O Cortiço"? Brown - Não li porque não leio. É bobagem mentir -tenho dificuldades para compreender as palavras escritas. Reconheço-as, mas não consigo apreendê-las. O código da conversação, entendo perfeitamente. Mas o escrito, não. Confundo as letras, procuro o sentimento das palavras e não encontro. É difícil. Folha - Os livros não lhe fazem falta? Brown - Existem outras fontes de leitura. A principal é saber ouvir. O brasileiro verdadeiramente culto se aproxima do ignorante e fala sobre os poetas, as ciências. Há sempre alguém falando. Cabe-me escutar. E escuto porque não me rejeito como ignorante. Nunca me envergonhei de parar e ouvir. Folha - Rodrigo Pitta afirma que o musical terá ares de Broadway. O que você pensa disso? Brown - Falar em Broadway é o modo que o Rodrigo encontrou para dizer que pretende dirigir um espetáculo de qualidade. Não há nenhum problema com o modelo Broadway. É bom adotá-lo como aprendizado. Acontece que o Rodrigo ainda não percebeu que estamos muito à frente da Broadway, porque temos o carnaval. Ele acha que imitará os gringos, mas tão logo ponha a mão na massa vai realizar o diferente. O brasileiro funciona assim: quando faz, parece imitação, só que não é. Rodrigo sonha com "Cats", mas acabará produzindo "Dogs". Texto Anterior: A Broadway é aqui Próximo Texto: Coluna Joyce Pascowitch Índice |
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