São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997
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Livro vai à lama do 'homem-caranguejo'

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O cientista Josué de Castro, descobridor do "homem-caranguejo", herói e símbolo do movimento mangue beat, volta a ser editado. Com direito a textos inéditos em livro e a revelação de escritos que foram pouco explorados até a sua morte no exílio, em 1973.
Castro é autor de clássicos como "Geografia da Fome" (1946), esgotado no Brasil e traduzido em 25 idiomas.
Seu retorno acontece com o lançamento de "Fome - Um Tema Proibido", publicado pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco) e recheado de textos inéditos ou pouco conhecidos.
O volume foi organizado pela filha do cientista, Anna Maria de Castro, e traz textos sobre os homens-caranguejos que mostram a fonte de diversidade e inspiração do mangue beat de Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, bandas que colocaram Recife no mapa-múndi da nova música pop.
Para essa rapaziada, Josué de Castro sempre foi tão respeitado quanto a boa coleção de discos que mantinham nas suas radiolas, do Clash a Jackson do Pandeiro, do esquema "noise" de Jorge Benjor ao groove dos Beastie Boys.
Quando Science alardeava, no meio do seu hip-hop, a saudação "ó Josué, nunca vi tamanha desgraça", ele prestava homenagem ao primeiro brasileiro a chamar a atenção de forma científica (não apenas como um fenômeno natural) para a fome existente na periferia do capitalismo.
Corpos de lama
No livro agora publicado, o leitor vai ter a oportunidade de conhecer fragmentos do universo dos chamados homens-caranguejos, como Josué de Castro passou a denominar as criaturas que enfiavam seus corpos e suas almas na lama do mangue em busca de leite para as crianças.
"Cedo me dei conta desse estranho mimetismo: os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos", escreveu o cientista, em texto de 1966.
Não é à toa que a grande metáfora de lama de Josué de Castro, o caranguejo, agora volta a se repetir, em forma de símbolo, no movimento mangue beat.
"Fome - Um Tema Proibido" é uma boa iniciação ao autor. Principalmente no momento em que os seus livros estão esgotados e são achados apenas em sebos da cidade de São Paulo.
Além de uma passagem geral por toda a sua obra, composta de 22 livros lançados no Brasil e exterior, o novo volume editado pela Cepe traz textos publicados em revistas estrangeiras, como a "Civilità delle Machine", de Roma, na década de 60.
Foi nessa época, aliás, que Josué de Castro alcançou fama internacional, chegando a vender cerca de 1,5 milhão de livros em todo o mundo.
Zona da Mata
Primeiro detetive da subnutrição no Brasil, Castro fez o primeiro trabalho investigativo sobre a fome no Brasil, ainda em 1933, com a visita de casa em casa e o mapeamento da miséria nas senzalas da Zona da Mata de Pernambuco.
O seu exílio começou em 1964, quando teve os seus direitos políticos cassados. Ele tinha 56 anos e exercia o cargo de embaixador do Brasil junto à ONU, em Genebra.
Depois desse episódio, escolheu a França para morar, onde foi professor de geografia humana na Universidade de Paris até sua morte, em 1973.
O fato de ter sido cassado dificultou o lançamento de seus livros no Brasil, o que impediu a divulgação de obras como "Sete Palmo de Terra e um Caixão", publicado pela última vez em 1957 (Editora Brasiliense), que narra de forma contundente o fim precoce de milhares de nordestinos.
Além da anatomia da fome, Josué de Castro também se aventurou em contos e outros textos de ficção. Não conseguia manter o mesmo brilho dos estudos científicos, mas vez por outra arrancava da lama imagens do naipe de um João Cabral de Melo Neto.

Livro: Fome - Um Tema Proibido
Autor: Josué de Castro
Lançamento: Cepe (r. Coelho Leite, 530, Recife, tel. 081/421-4233)
Quanto: R$ 18 (326 págs.)

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