São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997
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Uma agenda para florestas tropicais

ISRAEL KLABIN

O distanciamento entre a expectativa da nação e a realização dos projetos com que o governo se comprometeu é cada vez maior. Em lugar de uma estratégia clara e transparente, o governo tem preferido apagar os incêndios, quando poderiam eles ser evitados.
Assim é que, ao lado do sucesso indiscutível do plano de estabilização e do real, temos os desastres consequentes do sistema financeiro, que obrigaram a recorrer a instrumentos artificiais como o Proer; em vez de uma clara definição sobre reforma agrária, fica o governo remendando situações a reboque do MST; em vez de uma política ambiental clara e de co-responsabilidade de todas as áreas do Executivo, do Congresso e do Judiciário, tem o governo que explicar situações cabulosas como a dilapidação de florestas amazônicas e a exportação clandestina e fraudulenta de madeiras preciosas por empresas estrangeiras.
É claro que não pode se atribuir culpa a um governo que vem demonstrando continuamente sua solidariedade com as melhores teses referentes ao desenvolvimento sustentável, incluindo-se as demandas sociais.
No entanto, a falência das instituições implementadoras dessas políticas é evidente. Não é por falta de o presidente pedir reformas. É claro que o emaranhado de legislações e instituições que se justapõem e se contradizem nos âmbitos municipal, estadual e federal bloqueia políticas setoriais.
Quando falamos em desenvolvimento sustentável, está contida nesse conceito a sociedade civil como um todo: as instituições ambientais, o empresariado e o Terceiro Setor, o governo com todas as suas ramificações e, sobretudo, centralizando e interligando os vetores formadores do conceito de desenvolvimento sustentável, as lideranças éticas em todos os níveis e o pilar da credibilidade moral.
Por dever de ofício, acompanhei o que aconteceu na Malásia, na Indonésia, no Sudeste Asiático. Acompanhei intimamente a tentativa das mesmas empresas que erradicaram as florestas tropicais naquelas áreas de se estabelecerem na bacia amazônica, iniciando suas investidas pelo Suriname.
Enquanto as áreas científicas e técnicas florestais apresentam sua indignação com relação ao que acontece hoje na Bacia Amazônica como um todo, falta ao Ministério do Meio Ambiente e a todos os outros órgãos governamentais que deveriam estar presentes uma política e uma agenda claras e concisas para as florestas tropicais.
Algumas sugestões para essa agenda. 1) Tendo em vista o histórico das consequências da exploração das florestas tropicais, sobretudo no sudeste asiático, é fundamental que haja uma revisão planetária sobre: função ecológica das florestas tropicais; prioridade para os critérios de conservação "versus" exploração; estabelecimento de parâmetros rígidos, dentro dos princípios acima mencionados, para o uso sustentável dessas florestas.
2) As concessões para a exploração das florestas têm sido baseadas ou em vontades ditatoriais a serviço de grupos de pressão internacionais ou na inércia de governos que não dão a prioridade devida à conservação e à sustentabilidade dos ecossistemas, muito menos ao problema do empobrecimento do patrimônio nacional. A maturação dos sistemas florestais tropicais demanda séculos ou milênios; eles têm sido destruídos em poucas décadas.
3) Assim é que toda a exportação de madeira das florestas tropicais tem sido feita com intenção de lucro e acumulação de riqueza rápida e sem nenhum projeto consequente de sustentabilidade.
Além do mais, a estrutura do comércio internacional dessas madeiras muito pouco deixa nos países detentores dessas riquezas, de tal forma que o total da mais-valia é acumulado pelos países consumidores e importadores.
4) Faz-se necessária e urgente a revisão da legislação em vigor, não deixando nenhuma dúvida quanto à necessidade imperiosa de acabar com os "direitos adquiridos", produto sobretudo de corrupção e interesses mafiosos públicos ou privados.
5) É fundamental que se encontrem as definições ambientais e que estas sejam claramente delineadas. É necessário que seja aprimorado o sistema de monitoramento capaz de assegurar a manutenção desses parâmetros. Finalmente, é fundamental implementar sistemas modernos de fiscalização.
6) É urgente um estudo detalhado da economia e do fluxo do comércio mundial de madeiras de florestas nativas, a partir do qual possa se armar uma estratégia para: a) que os limites da exportação dessas madeiras sejam estabelecidos; b) que a mais-valia, exportada por preços baixos de exportação, venha a ser avaliada tomando-se em conta os valores agregados até chegar aos preços pagos pelo consumidor final.
7) Consequentemente, deve-se estabelecer uma estratégia brasileira com relação à mais-valia do mercado mundial das madeiras de florestas nativas: a) política fiscal adequada, por meio de taxas de exportação, tomando-se em conta os valores hoje alcançados nos mercados finais; b) verticalização e incentivo a indústrias brasileiras que operam no mercado mundial de produtos de madeira, para que ocupem o lugar hoje ocupado por empresas especulativas e incentivadoras da degradação das florestas; c) os recursos oriundos dessa sobretaxação sobre a exportação deveriam ser dirigidos para um fundo de pesquisa sobre conservação e recuperação de áreas degradadas nas florestas tropicais nativas.
Conclusão: a exploração das florestas tropicais nativas enriquece os ricos, sobretudo os importadores, empobrece os pobres e as populações locais e dizima o patrimônio nacional.

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