São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 1997
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Por um Congresso revisor

MAILSON DA NÓBREGA

Um Congresso revisor para mudar a Constituição -por maioria absoluta e com adequada delimitação dos pontos a reformar- pode ser uma saída sensata para tentar vencer as forças do atraso, que se opõem à necessária reforma do Estado.
Nas condições atuais, está provado que é quase impossível eliminar os privilégios criados ao longo do meio século de intervenção estatal. Basta ver como a Câmara desfigurou o projeto de reforma da Previdência.
Outro exemplo da resistência é a reforma administrativa, cujos principais pontos esbarram numa coalizão de veto formada por uma associação espúria entre as esquerdas, o clientelismo e os interesses pessoais de certos políticos.
É desumano, pois, o esforço para mudar nosso anacronismo constitucional. Sem partidos políticos com capacidade de agregar e intermediar interesses, a racionalidade é muito baixa em determinados temas. Prevalece a ignorância ou a visão individualista.
A aprovação das reformas da ordem econômica, quase um milagre, ocorreu porque tratavam de matéria de natureza plebiscitária e porque os interesses a contrariar eram menos enraizados.
Felizmente, o ajuste fiscal foi menos importante do que se imaginava para conquistar e manter a estabilidade, que se deve essencialmente, até aqui, à desindexação, à abertura da economia e à liquidez internacional.
Assim, a lentidão das reformas não é por ora uma ameaça ao Plano Real, mas à modernização do Estado, ao aumento da taxa de poupança e aos ganhos de produtividade. Sem os três, não cresce o investimento nem há desenvolvimento sustentado.
Segundo a Fipe, em recente estudo para a Fiesp, o país poderia estar crescendo a uma taxa de 7% ao ano se já houvessem sido aprovadas as reformas administrativa, tributária e previdenciária. O custo da lerdeza do Congresso é de 3,7% do PIB.
A equipe econômica tem tido liberdade para defender a estabilidade mediante juros altos, restrições creditícias, resistência às pressões para desvalorizar a moeda e manutenção da abertura da economia. O problema é o custo, que fica mais alto sem as reformas.
É verdade que ainda há tempo para esperar. Enquanto as reformas não saem, o ajuste fiscal pode vir da aceleração das privatizações e de idéias criativas, como a do fundo de ativos, sugerida por Raul Velloso. O futuro é, contudo, pleno de incertezas.
Não se sabe o grau de tolerância social e política a um longo período de baixo crescimento. Com o tempo, aumentarão os riscos de grave insatisfação social, abrindo margem para o crescimento de idéias populistas.
Os investidores podem perder a confiança em caso de uma demora excessiva nas reformas. A fuga de capitais forçaria o governo a realizar uma forte desvalorização. Teríamos de volta a inflação elevada.
É preciso, pois, encontrar formas de retomar a reforma da Constituição, de modo a extirpar-lhe os defeitos congênitos e livrar o país da camisa-de-força por ela criada. Não dá mais para reformar o Estado a conta-gotas e ao preço do fisiologismo.
Manter o atual processo é sacrificar uma ou mais gerações ao jugo dos monumentais equívocos de 1988. Detalhista, pequena, atrasada, essa é a Constituição que cuidou de tudo, até de matéria que caberia em portarias ministeriais.
Em meio aos casos policiais de Diadema, Cidade de Deus e, agora, de Belo Horizonte, viu-se que até a reforma da polícia depende de mudar a Constituição (art. 144). Em outros países, a matéria pertence à legislação ordinária.
O presidente se declarou contrário ao Congresso revisor. Entre outras razões, S. Exa. teme que a idéia seja considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Há juristas afirmando que não se pode rever a Constituição fora das regras atuais.
Entende-se a posição de FHC. É politicamente difícil para ele defender a proposta. Quanto aos juristas, a impressão é que sua opinião contrária à idéia parte do pressuposto de que o Congresso revisor nasceria de uma mera emenda constitucional.
Dificilmente se poderia arguir a inconstitucionalidade se a proposta fosse aprovada por um plebiscito. Se o povo dissesse sim, o Congresso revisor estaria legitimado.
Há prós e contras em torno da idéia do Congresso revisor. Há quem sustente que seria um risco, já que a Constituição poderia piorar, em vez de melhorar.
Por tudo isso, é hora de ampliar o debate sobre o tema.

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