São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 1997
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A invasão da mulher norte-americana

NOENIO SPINOLA

Qual a relação que existe entre a mulher norte-americana e um sem-terra? São ambos invasores, a julgar pelos dados de uma pesquisa recente da Nasdaq, a Bolsa especializada em pequenas empresas e rival da Nyse de Nova York.
A pesquisa não trata dos sem-terra brasileiros. Ela descobre outro tipo de revolução silenciosa: a dos "sem-capital", que melhoraram de vida e estão transformando a face do mercado de ações nos EUA.
Antes excluídas, as mulheres já representam 47% dos investidores norte-americanos. O outrora chamado "sexo frágil" pilota hoje 45% das decisões sobre onde colocar o rico dinheirinho das famílias.
Segundo a pesquisa da Nasdaq, entre 1965 e 1990 (tempo suficiente para uma criança nascer e tornar-se adulta), o número dos proprietários de ações passou de 10,4% para 21% dos norte-americanos. O grande pulo, contudo, aconteceu nos sete últimos anos, quando os donos de ações chegaram a 43% dos adultos.
Esse período coincide com o aumento do número de mulheres que entraram na força de trabalho, passaram a contribuir para fundos de pensão e planos de investimento voluntários e invadiram, assim, a outrora machista seara das propriedades do capital.
Antes, portanto, de os nossos sem-terra falarem em invadir a Bolsa, as mulheres norte-americanas invadiram Wall Street. Os alvos são os mesmos. Quem será o mais esperto?
Não existem respostas lineares e simples, pois as conquistas sociais dependem do tempo, do país, dos costumes, da educação, da renda. A mulher norte-americana só conquistou o direito ao voto (de fato) ao longo deste século.
Se fosse possível abstrair a cor da pele, a mulher branca e o negro norte-americano tinham quase o mesmo piso de direitos humanos: não votavam, recebiam salários menores, apanhavam dos maridos, não tinham meios para se defender do assédio sexual no trabalho.
A ascensão social feminina foi acelerada nos últimos 20 anos pela mudança nas relações de trabalho provocada pela tecnologia. No mesmo período, o bolo global da renda cresceu, e as mulheres se apropriaram (solteiras ou junto com a família) de uma fatia cada vez maior da poupança.
Esperto, o marketing de bancos, Bolsas e corretores deixou de focalizar as calças e foi atrás das saias. O "Wasp" (branco, anglo-saxão, protestante) cedeu espaço às minorias. Foi assim que aconteceu a invasão pacífica de Wall Street.
O "boom" do mercado de ações está sendo alimentado por esse novo perfil de investidores em que as mulheres quase já lideram e pelo crescimento dos fundos de investimento, que triplicaram de tamanho na América em sete anos.
Os fundos cresceram porque as famílias descobriram que a ação de uma empresa pode valer mais no futuro do que o carnê da Previdência. Na verdade, 88% dos norte-americanos que investem em ações o fazem por esses mecanismos.
Como os fundos são menos voláteis do que os indivíduos e apostam nas empresas (não apostam no Estado), é possível que o mercado de ações cresça com mais estabilidade do que no passado.
É por aí que pode acontecer uma revolução silenciosa em torno da propriedade, das relações de trabalho e da ética dos mercados. Os símbolos físicos do poder (a terra, a foice, o prédio, as máquinas) perdem importância. Ganha importância o capital acionário.
Quão perfeita ou imperfeita será essa revolução, ninguém sabe. Há quem diga (Kuttner e outros) que também ela pode ser concentradora da renda se a taxação for ruim, beneficiando mais as famílias ricas que as pobres.
O assunto vem sendo discutido com serenidade em reuniões de que participam diferentes correntes partidárias e sindicais. Mais luz ainda poderá jorrar se os sem-terra brasileiros analisarem os instrumentos usados para a ascensão pacífica das minorias de outras partes do mundo e descobrirem quão sábio é este provérbio oriental: "A verdadeira força é suave".

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