São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 1997
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Dos salões iluminados ao escurinho do cinema

MATINAS SUZUKI JR.

do Conselho Editorial
Algumas das passagens mais interessantes da literatura sobre festas são aquelas que saem dos salões iluminados dos livros para se tornarem clássicos do escurinho do cinema.
O cotejo entre essas cenas memoráveis nas telas e as palavras que as inspiraram é, quase sempre, um exercício delicioso.
Um dos momentos mais requintados do cinema é o famoso baile de "O Leopardo", de Lampedusa, filmado por Luchino Visconti (ele usou um "cast" com descendentes de nobres sicilianos, trazia dúzias de flores diariamente de avião e obrigou os atores a usarem um perfume de época, apenas para ficarem girando em torno da beleza então fresca e atordoante da dupla Claudia Cardinale e Alain Delon).
Vejamos um trecho do romance, que está no livro de Johnston: "O baile de Ponteleone era para ser o mais importante daquela curta estação; importante para todos os envolvidos por causa da posição da família, do esplendor do palácio e do número de convidados; particularmente importante para os Salinas, que poderiam apresentar para a 'sociedade' Angelica, a adorável futura mulher do sobrinho deles. Era apenas meia hora depois das dez, muito cedo para alguém aparecer em um baile se esse alguém é o Príncipe de Salina, cuja chegada deveria ser marcada para quando a festa estivesse no seu ápice".
Do palácio siciliano, no século passado, para um apartamento nova-iorquino mais recente e para um escritor que, esse sim, era da fuzarca: Truman Capote (veja as suas participações em noites de embalo no Estúdio 54 em texto ao lado).
Esbórnia arrepiante
A esbórnia de arrepiar os vizinhos dada pela "chiquééérrima" Audrey Hepburn, em "Breakfast at Tiffany's" (no Brasil, "Bonequinha de Luxo"), tem a seguinte passagem no original: "Alguém tossiu, alguns deram os seus goles. Um oficial da Marinha, que está segurando o drinque de Mag Wildwood, deixou-o de lado. 'Mas então', disse Holly, 'eu ouvi muito que essas garotas sulistas têm o mesmo problema'. Ela estremeceu delicadamente e foi buscar mais gelo na cozinha. Mag Wildwood não podia entender a abrupta ausência de entusiasmo à sua volta; as conversas que ela começou foram como madeira nova, elas fumigam mas não pegam fogo. Mais inesquecível ainda era que as pessoas estava indo embora sem pegar o número do seu telefone".
Talvez o mais terrível dos após-festa que foram para o cinema esteja no conto "The Dead" do livro "Dublinenses", de James Joyce, profundamente captado em sua aterradora tristeza por John Huston em seu último filme (no Brasil, "Os Vivos e Os Mortos").
Fragmento final
Não por acaso, foi o fragmento escolhido por Susanna Johnston para fechar o livro:
"Ela dormiu rapidamente. Gabriel, curvando-se sobre o seu cotovelo, olhou sem ressentimento, por pouco tempo, para o emaranhado dos cabelos dela e para a boca entraberta, ouvindo a respiração profunda. Então ela tinha tido aquele romance na sua vida: um homem morreu por seu amor. Quase não o magoava agora pensar quão pobre como seu marido ele havia participado da vida dela. Ele olhava para ela enquanto dormia pensando que ele e ela nunca viveram juntos como marido e mulher. Seus olhos curiosos repousaram longamente sobre a sua face e sobre o seu cabelo: e, como ele imaginava o que ela teria feito então, no tempo da sua beleza juvenil, uma estranha e amigável pena dela tomou a sua alma. Ele não queria dizer, nem para si mesmo, que o seu rosto não era mais bonito, mas ele sabia que esse não era mais o rosto pelo qual Michael Furey havia bravamente morrido". (MSJ)

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