São Paulo, sábado, 28 de junho de 1997
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Ministro pode ser processado por racismo

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, deve ser processado por ter declarado, anteontem, que Pelé e asfalto são "dois pretos" admirados no Brasil.
Na próxima terça-feira, o secretário-executivo do Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (CEAPM), Ivanir dos Santos, 42, entrará com uma representação no Ministério Público Federal pedindo o ingresso de duas ações contra Padilha.
"A primeira ação será criminal, com base na lei 7.716, que tipifica o crime de racismo. A segunda será uma ação civil pública por dano à coletividade", afirmou Santos.
A declaração de Padilha, publicada ontem pela Folha, foi feita durante seminário internacional sobre hidrovia em Araçatuba.
"Eu ontem ouvi uma expressão interessante: no Brasil, existem dois pretos que são admirados por todo o Brasil. Um é o Pelé, que é o nosso rei de sempre. O outro é o rei asfalto, todo mundo gosta do asfalto. É o preto que todo mundo gosta", afirmou o ministro.
"A declaração é muito ruim. Na escola, quando alguém queria me ofender, dizia que eu era 'picolé de asfalto"', disse Ivanir dos Santos. No início deste ano, o CEAPM pediu o ingresso de uma ação contra o cantor Tiririca pela letra da música "Veja o Cabelo Dela", que a entidade considerou racista.
A reação à declaração de Padilha não se limitará às duas ações propostas pelo CEAPM. Na próxima semana, o senador negro Abdias Nascimento (PDT-RJ), 84, pretende discursar no plenário do Senado e pedirá a exoneração do ministro dos Transportes.
"Esse ministro mostra que não está afinado com a política do presidente Fernando Henrique Cardoso, que, na campanha eleitoral, disse que tinha um 'pé na cozinha' e, depois, criou um grupo interministerial de trabalho para combater o racismo no Brasil", disse o senador. "O presidente deveria demiti-lo imediatamente", afirmou Nascimento, que ocupa a vaga aberta com a morte do antropólogo Darcy Ribeiro.
Para o economista negro Hélio Santos, 51, coordenador do Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra, criado por FHC, a frase reflete "o racismo velado introjetado na sociedade brasileira". "Não é o ministro Padilha que é racista. É a sociedade como um todo", disse.
Também a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seção São Paulo, poderá se manifestar. A advogada Maria da Penha Guimarães, 50, coordenadora da subcomissão do negro da entidade, iria propor a discussão do assunto, em reunião marcada para ontem à noite. "É uma frase racista. Ele comparou o ser humano ao asfalto, onde todos pisam. Todo mundo pisa no negro", afirmou Guimarães.

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