São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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Mão amiga; Quer ficar; Festa Real; Um primo em cada ponta; Boa notícia: suspensa a queima de arquivo; Pronex: o uso científico do gogó para sustentar fantasias; Rixa tucana; Memória; Idéia nova

ELIO GASPARI
DA CONVERSA SECRETA DE MALUF COM FFHH:

Mão amiga
O ex-prefeito de São Paulo poderá morrer jurando que não pediu ao presidente que o ajudasse a se safar do depoimento na CPI dos Precatórios, mas o presidente poderá morrer jurando que o ouviu pedir. Para o bem ou para o mal, deu-lhe uma mãozinha, e Maluf safou-se.

Quer ficar
O ministro do Planejamento, Antonio Kandir, prefere continuar no governo. Se FFHH também preferir, ele não sai para disputar um novo mandato na Câmara.

Festa Real
Quando o tucanato chegou a Brasília, o primeiro aniversário do Plano Real foi comemorado numa cerimônia do PSDB, sem dinheiro público ou de interesses privados. FH (à época com um só mandato) vetou a realização da festa num clube de São Paulo, porque provocaria engarrafamentos. Depois vetou a festa fora de Brasília para não gastar dinheiro com passagens. Passaram-se dois anos, e o terceiro aniversário será comemorado por FFHH (batalhando a duplicação do mandato) na Confederação Nacional da Indústria, entidade que persegue objetivos privados com dinheiro da Viúva.
Pelo andar da carruagem, o quarto aniversário será comemorado na federação dos bancos, a Febraban. O último, em Nova York.

Um primo em cada ponta
Amanhã a Assembléia Legislativa de Santa Catarina decide se afasta e processa o governador Paulo Afonso Vieira (PMDB) por conta da sua ruinosa emissão de R$ 605 milhões de títulos públicos. Os votos do PFL decidirão a parada. Pode ser o PFL de Jorge Bornhausen, mas também pode ser o de Ronivon Santiago.
O senador Vilson Kleinubing, cuja tenacidade se deve a denúncia do escândalo e a existência da CPI que desbaratou a rede de papeleiros, descobriu a conexão Gallotti. Ela une, por laços de parentesco, os primos Paulo Gallotti Prisco Paraíso e José Carlos Gallotti Blauth. Prisco esteve na ponta inicial do movimento do papelório catarinense. Era o principal assessor do governador e foi o arquiteto de toda a operação financeira. Hoje é seu secretário da Fazenda. Blauth, um engenheiro que opera no mercado paranaense, já tinha aparecido oferecendo papéis baratos à Fundação Telos e agora resplandece como beneficiário de um suposto depósito de R$ 450 mil. Assim, haveria um Gallotti em cada ponta. Um jogando dinheiro do povo catarinense pela janela e outro, na rua, recolhendo uma lasca.
Conseguiu-se o que parecia impossível, achando-se um destinatário final do
dinheiro. Falta verificar se Blauth pode provar que o depósito feito na corretora Divalpar saiu de sua poupança. Um auditor do Banco Central assegurou a Kleinubing que o ervanário saiu dos lucros da traficância.
Pela primeira vez na história das maracutaias financeiras, conseguiu-se montar um esquema de imunidade informal. A CPI tem pelo menos um informante que sabe o que aconteceu com o dinheiro roubado. Sabe, por exemplo, que uma parte do butim era mandada ao Paraguai e de lá remetida aos Estados Unidos e à Europa. Se algum dos ladravazes efetivamente engordou sua conta na agência do Swiss Bank Corporation por meio de um depósito na casa Cambios Imperiales, haverá de perder algumas noites de sono. Se a transferência para o Swiss Bank foi feita em seu nome, só lhe resta rezar para Frei Damião.
A novidade está na colaboração desse informante misterioso. Foi com delinquentes que passaram a colaborar com o Estado que o governo americano desbaratou todas as quadrilhas de Wall Street. A lei brasileira veda esse tipo de transação, mas por enquanto ela parece estar no limite da administração do constrangimento. O cidadão fala para não ser chamado a depor, arruinando sua reputação. Nada de grave num escândalo no qual o ex-prefeito Paulo Maluf achou preferível não comparecer à CPI e o banqueiro Fausto Solano disse aos senadores que um misterioso Renê depositou US$ 9 milhões em sua conta.
Até um cego que folheie os papéis catarinenses haverá de perceber que a roubalheira dos títulos públicos foi amparada por uma rede de doleiros. Eles cobram entre 12 e 20% para lavar reais e transformá-los em depósitos no exterior. Sabe-se que um grande doleiro paulista movimentou a lavagem de quase todos os lucros ilegais dos papéis catarinenses. Talvez sejam dois, mas certamente não são muitos.
Nesse tubo passam caixinhas de campanhas eleitorais, fortunas recentes e tacadas em geral. Com a vulnerabilidade imposta (em boa hora) ao sigilo bancário por mais que a vida de Paulo Afonso Vieira se tenha complicado, não há motivo para se pensar que a situação mudou. Sempre que alguém tiver dinheiro clandestino, haverá um doleiro capaz de lhe resolver o problema.
O melhor negócio a se fazer agora é aproveitar a correnteza para se fechar as brechas por onde passa o dinheiro lavado. Isso pode ser feito de duas formas. Uma é por meio de um trabalho paciente daquilo que se autodenomina ekipekonômica. Sem alarido nem truculências, ela pode tratar o assunto a sério. O outro será uma nova CPI.

Boa notícia: suspensa a queima de arquivo
O 4º vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Carlos Ortiz, determinou que se suspenda a queima de processos caducos arquivados pelo Judiciário paulista.
O Tribunal deverá decidir se é o caso de cometer o crime de atear fogo à memória dos processos que terminaram há mais de cinco anos sem condenação. Neles está a história das classes mais humildes da sociedade.
Até agora o professor Francisco Weffort, ministro da Cultura, não moveu um dedo para impedir essa monstruosidade. O presidente do Instituto do Patrimônio Histórico, Glauco Campello, informa que a seleção e preservação dos documentos que não tenham sido tombados é atribuição do Ministério da Justiça.
Deve ter razão. Só os ignorantes, intocados pela graça dos divinos tucanos, são capazes de achar que o Ministério da Cultura tenha alguma coisa a ver com a memória histórica de uma sociedade.

Pronex: o uso científico do gogó para sustentar fantasias
Na semana passada publicou-se aqui o caso do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência, o Pronex, criado pelo ministro José Israel Vargas e destinado a financiar pesquisas de alta qualidade ao longo de quatro anos.
Foi narrada a situação do biólogo Wanderley de Souza, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que teve aprovado um projeto de R$ 1,9 milhão. Deveria receber R$ 600 mil no primeiro ano, recebeu a metade em dezembro, soube que o resto viria em março e está até hoje esperando. Teve o trabalho desarrumado e suspendeu a importação de um microscópio de varredura de alta resolução. Seria a primeira máquina desse tipo a ser instalada no Brasil.
Por coincidência, os R$ 38 milhões do Pronex em seu primeiro ano equivaleriam ao volume de recursos que sumiram da dotação orçamentária do CNPq em 1996.
O professor Lindolpho de Carvalho Dias, coordenador do Pronex e secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, oferece por carta "alguns reparos" ao que foi escrito. Aos reparos:
"É falsa a informação de que o CNPq teve corte orçamentário de R$ 38 milhões, equivalente à dotação do Pronex em 1996."
"Também é falsa a informação de que o professor Wanderley de Souza não pôde importar o primeiro microscópio eletrônico de varredura -existem cerca de quatro dezenas desses equipamentos no país, alguns no laboratório do pesquisador."
Ele acrescenta que os recursos da segunda parcela do Pronex "serão liberados em julho/agosto deste ano", conforme regra "amplamente informada a todos os coordenadores dos 77 projetos selecionados".
Alguns "reparos" coisa nenhuma. Talvez por elegância, o professor Lindolpho parece ter preferido não dizer que se publicou aqui um monte de asneiras. Antes fosse, porque nesse caso iria bem o seu Pronex, e, em matéria de estímulo à ciência, o governo de FFHH faria o que promete e cumpriria o que assina.
Pena, porque:
É verdadeira a informação de que o CNPq perdeu R$ 35 milhões entre o que o Orçamento lhe dava e o que o Tesouro lhe entregou.
É verdadeira a informação de que o professor Wanderley de Souza suspendeu a importação de uma máquina inexistente no Brasil. Os 53 microscópios de varredura existentes, inclusive dois de seu laboratório, são de baixa ou média resolução. Trata-se de uma máquina de alta (repetindo, alta) resolução, com capacidade para enxergar milionésimos de milímetros.
Falsa é a informação de que todos (repetindo, todos) os coordenadores dos 77 projetos selecionados foram amplamente informados de que o dinheiro sairia entre julho e agosto.
O professor Wanderley nunca ouviu falar nisso. A professora Alzira Abreu, do Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil (CPDOC), também não. Seu projeto (O Brasil em Transição - Balanço do Final do Século 20) deveria ter recebido R$ 131 mil, recebeu a metade e ficou sem dinheiro para honrar compromissos. Está no correio uma carta que remeteu à burocracia do Pronex na qual narra suas dificuldades. O professor Francisco Carlos Teixeira da Silva (História Moderna e Contemporânea da UFRJ) teve aprovado um projeto de R$ 680 mil para pesquisar a sociedade agrária brasileira e também nunca ouviu falar nessa regra.
O professor Wolfgang Pfeiffer, titular de Biofísica Ambiental da UFRJ, tem um projeto de R$ 2 milhões destinado a estudar o meio ambiente da Baía de Guanabara. Trabalha com 38 pesquisadores, 29 dos quais com doutorado. Deveria ter recebido R$ 600 mil, deram-lhe uma metade e não lhe disseram quando chegaria a outra.
O professor Radovan Borjevic, titular de Bioquímica da UFRJ, mesmo não tendo ouvido, intuiu que o dinheiro deveria vir na metade do ano e não se queixa do fluxo do Pronex. Num caso, o professor Lindolpho tem toda razão: seu colega Cesar Camacho, cujo projeto lida com sistemas dinâmicos de matemática, sempre trabalhou sabendo que a segunda parcela viria no meio do ano.
É desagradável -talvez até mesmo para os leitores- acompanhar querelas de desmentidos, mas a burocracia científica deve ter mais respeito pelos outros, tanto ao prometer quanto ao negar.
Quem quiser, pode viver feliz no mundo da virtualidade. Se o ministro José Israel Vargas tiver tempo para passar ao mundo real, pode perguntar ao professor Lindolpho como vão as verbas do CNPq. Seu secretário-geral poderá lhe mostrar uma carta do presidente da instituição informando que, decorridos 40% dos dias do ano, só recebera 18% dos recursos orçamentários de 1997 e não conseguia pagar os fornecedores. (Ofício CNPq/PRE 927/97, para facilitar a consulta em futuros desmentidos.)

Rixa tucana
Estão frias (põe frias nisso) as relações do ministro Sérgio Motta, das Comunicações, com seu colega Paulo Renato Souza, da Educação. Primeiro Serjão se entristeceu porque Paulo Renato não o defendeu com rapidez na crise da compra dos votos da reeleição. Enfureceu-se quando ouviu ecos de conversas nas quais Paulo Renato achava natural o seu declínio.
A quem interessar possa: Sérgio Motta está operando. Opera a pedido de todas as personalidades que acham conveniente mantê-lo longe da operação.

Memória
Fernando Collor de Mello se lembra de que foi ao encontro de José Sarney dias antes de tomar posse, porque o presidente estava assombrado diante do boato de que o prenderia. Disseram-lhe que Sarney perdera o sono e, para acalmá-lo, visitou-o durante o Carnaval.
O general Rubem Bayma Denys, chefe do Gabinete Militar de Sarney e, na versão collorida, portador da informação do descontrole emocional de seu chefe, lembra-se do mesmo episódio de forma bastante diversa:
1) Collor mandou um recado a Sarney pedindo o encontro;
2) Sarney pediu a Denys que cuidasse do assunto, no âmbito do Conselho de Segurança Nacional;
3) Denys falou com seu futuro sucessor, o general Agenor Homem de Carvalho, e daí saiu o encontro, realizado no sítio de São José do Pericumã. (Denys não se recorda quem telefonou para quem nesse pedaço da costura.)

Idéia nova
Sem muita convicção, cozinha-se no Planalto a criação de duas coordenadorias. Uma para assuntos sociais, outra para infra-estrutura. Englobariam atividades dispersas em diversos ministérios, mas correm o risco de transformar os ministros em figuras de coquetel de embaixada.

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