São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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Moeda podre vira Cinderela

CELSO PINTO

Está nascendo uma nova estrela no mercado financeiro. Como na história da Cinderela, o que eram feias moedas podres estão se transformando em atraentes aplicações em renda fixa para vários bancos e investidores estrangeiros.
A Fada Madrinha dessa história é a combinação entre muito dinheiro sobrando no mercado internacional, um enorme apetite por aplicações com alta rentabilidade e a recuperação na imagem de mau devedor do governo brasileiro.
Moedas podres são as inúmeras dívidas acumuladas pelo governo federal ou suas empresas, nas últimas décadas, e que foram securitizadas, isto é, transformadas em títulos. A Andima listou, recentemente, 50 diferentes dívidas desse tipo.
É um universo que inclui, por exemplo, débitos do Instituto do Açúcar e do Álcool, da Rede Ferroviária junto ao INSS, do BNCC, da Portobrás e da Interbrás junto aos bancos, até dívidas da União junto ao Ministério da Aeronáutica. A simples leitura da longa lista é uma viagem na história da irresponsabilidade do setor público.
As moedas começaram a ficar menos podres quando várias delas puderam ser usadas nas privatizações: a Central de Custódia de Títulos Privados lista 32 delas, no valor de R$ 16 bilhões. Foi apenas no ano passado, contudo, que um grupo delas começou, de fato, a sair da vida "underground".
Hoje, esse grupo da elite das moedas podres, com um valor calculado em mais de R$ 5 bilhões, passou a ser conhecido como "bradies em real". É uma referência aos títulos emitidos pelo Brasil na renegociação da dívida externa, no "acordo Brady" (daí o nome).
O paralelo é bom. Ambos têm sido pagos pontualmente, mas têm origem em dívidas não pagas de responsabilidade federal. Ambos são papéis com pequenos juros nominais, mas cujo rendimento é engordado por serem negociados com deságio. Ambos rendem muito mais do que os instrumentos tradicionais de dívida. Ambos tiveram forte valorização recente.
A grande diferença entre eles é que os "bradies em reais" estão um passo atrás dos "bradies em dólares". Os "bradies em dólares" são negociados há muito tempo, têm maior demanda e seu rendimento já caiu significativamente. Os "bradies em reais" também se valorizaram, mas continuam muito atraentes.
As moedas podres que mais têm sido usadas como aplicação de renda fixa são as debêntures da Siderbrás (R$ 1 bilhão), os créditos da Siderbrás (R$ 1,1 bilhão) e as dívidas da Sunamam (R$ 2,8 bilhões). A dívida da Sunamam é negociada a 71% de seu valor de face, gerando um rendimento de 13,8% ao ano acima da inflação (corrigida pelo IGP-DI). A debênture da Siderbrás é negociada a 85% do valor de face e rende 14,6% ao ano mais IGP, enquanto a dívida da Siderbrás vale 91,5% de seu valor de face e rende 15% mais IGP.
Para se ter uma comparação com dois "bradies em dólares": o IDU é negociado a 98,6% de seu valor de face, rendendo 8% ao ano, e o EI é negociado a 92% do valor de face e rende 9,2% ao ano. Se o investidor acreditar que a correção cambial, nos próximos anos, será igual à inflação (IGP-DI), então os rendimentos são comparáveis e mostram a atratividade dos "bradies em reais", mesmo considerando seu imposto de renda.
Os investidores externos podem comprar esses papéis, sem problemas, criando fundos de privatização (moedas podres) no Brasil. Como a curto prazo o risco de aumento de juros internos é maior, a demanda é maior por papéis longos (como Sunamam) e seu rendimento é menor.
Existem propostas, no mercado, para que Brasília faça aqui o que fez lá fora com os "bradies": aceite trocar moeda podre velha por dívida nova, com prazo mais longo e juros maiores.
A vantagem seria "limpar" dívidas antigas de má reputação e alongar seu prazo, embora aceitando pagar juros maiores. O Tesouro gostou da idéia. O Banco Central não, segundo o diretor Francisco Lopes. A razão: todos são títulos indexados. Se o Tesouro trocá-los por novos títulos indexados, diz Lopes, poderá estar começando a rodar novamente a máquina infernal da indexação.
Com ou sem troca, de todo modo, enquanto o mercado internacional continuar olhando mais o rendimento do que o risco, os "bradies em reais" terão futuro.

E-maill: CelPinto@uol.com.br

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