São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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Ronaldinho passa 32 horas ao telefone

ALEXANDRE GIMENEZ; ARNALDO RIBEIRO
DOS ENVIADOS A SANTA CRUZ DE LA SIERRA

Nada de tele-sexo ou disque-amizade. O grande barato do atacante Ronaldinho, 20, é saber das últimas fofocas de sua família pelo telefone, seu grande passatempo na concentração da seleção brasileira em Santa Cruz de la Sierra.
Até as 20h05 da última sexta, o jogador havia falado por 1.966 minutos -ou 32,7 horas- no telefone celular que alugou assim que chegou na Bolívia, 18 dias atrás.
O tempo exato de conversa no telefone foi fornecido pelo próprio Ronaldinho, utilizando uma das funções do aparelho.
Leia a seguir trechos da entrevista exclusiva que o atacante deu à Folha, interrompida três vezes pelo toque do telefone celular.
(ALEXANDRE GIMENEZ)
(ARNALDO RIBEIRO)
*
Folha - Como você faz para se distrair durante as longas concentrações da seleção brasileira?
Ronaldinho - Passo mais o tempo no telefone. Já falei durante 1.966 minutos desde que começou a Copa América. Não é brincadeira. A conta é alta, mas vale a pena. Dá para matar as saudades.
Estou morando fora e tenho o privilégio de ganhar bem. Por isso, não tenho motivo para economizar com o telefone. Gosto de saber das novidades de casa, as fofocas.
Folha - Você tem algum outro passatempo?
Ronaldinho - Comprei um computador em Miami (EUA) e usei muito no primeiro mês. Comprei mais por um joguinho que simula a Liga Espanhola de Futebol.
Você pode comprar e vender jogadores. Tentei fazer um time só de brasileiros. O problema é que o computador me vendia para um clube qualquer e eu não podia fazer nada. Deveria ter trazido o computador para a concentração.
Folha - O que cansa mais, jogos, viagens ou concentrações?
Ronaldinho - Desde que comecei como profissional praticamente não tive férias, tempo para descansar. Este ano está sendo particularmente desgastante. Além da temporada dura na Espanha, fiz muitas viagens, que, na minha opinião, é a parte mais estressante.
Folha - Você é um dos jogadores mais assediados pela imprensa e pela torcida. Como lidar com isso?
Ronaldinho - Estou mais tempo no meio da confusão, da mídia, do que fora dela. No pouco tempo livre que tenho, a confusão vai atrás de mim. É desagradável. Invade a minha vida pessoal.
Mas, apesar do assédio, da intromissão e de algumas mentiras, nunca deixo de fazer o que gosto.
Folha - Como é sua relação com a imprensa européia?
Ronaldinho - Melhor. Na Europa, é muito diferente. A organização é muito maior. Na Espanha, eu falava três vezes por semana, nos dias em que eu determinava.
Falava rapidinho, numa coletiva, e todos ficavam satisfeitos, inclusive eu. Não tinha uma rádio que pedia para eu ficar dando um abraço para fulano de tal. No Brasil, são sempre as mesmas perguntas.
Folha - Essa invasão de privacidade atrapalha o namoro com a atriz e modelo Suzana Werner?
Ronaldinho - Estamos sabendo conviver bem com o assédio. Estamos para completar oito meses juntos. Vou levá-la comigo para a Itália, quando eu for jogar na Inter. Tem muita coisa que ela pode fazer lá, inclusive jogar futebol.
Folha - Até que ponto essa novela de sua transferência para a Itália tem atrapalhado seu rendimento?
Ronaldinho - Jamais me atrapalhou. Essas coisas não mexem com a minha cabeça. Quando eu entro em campo, entro de corpo e alma, sem pensar em mais nada.
Folha - Você já disse que não joga mais no Barcelona, mas disse também que ficou triste por sair...
Ronaldinho - Minha relação com a torcida do Barcelona é muito boa. Adorei morar lá. A cidade é excelente. A melhor da Europa para se viver. Parece muito o Rio.
O problema foi com os dirigentes. Fiquei magoado e decepcionado com eles, por isso saí do clube.
Folha - Você esperava ser eleito o melhor do mundo tão cedo?
Ronaldinho - Não. Mas trabalhei para chegar nesse ponto. Agora, tenho que manter o nível.
Folha - Você chegou a ser comparado ao Pelé no início da carreira. Isso te atrapalhou? Você acha que dá para bater a barreira dos mil gols que ele alcançou?
Ronaldinho - Nunca me atrapalho. Fiquei superorgulhoso em ser comparado ao Pelé.
Quanto aos mil gols, hoje é muito difícil chegar a essa marca. Mas não sei se o Pelé contou gols não oficiais para chegar aos mil. Se eu também contasse todos os gols que fiz, passaria dos mil. Teve jogo de rua que fiz mais de 20.
Prefiro contar só as partidas oficiais. Fiz uns 150, 160. Ficaria feliz em chegar a 600 ou 700.
Folha - Você é jovem, rico e famoso. Isso provoca inveja dos companheiros?
Ronaldinho - Aqui na seleção, vejo que isso não existe. Todos são muito amigos. Todos grandes jogadores e ninguém quer ser melhor que ninguém. Mas, nos clubes, a inveja sempre pinta. A solução é fingir que está tudo bem.
Folha - Como é sua relação com Romário?
Ronaldinho - Nos damos muito bem, desde a Copa de 94. Gosto muito dele, do seu jeito, da maneira que joga. Foi muito natural nos tornarmos amigos.
Folha - Depois de ser escolhido o melhor do mundo, qual passou a ser sua meta?
Ronaldinho - A grande meta é conquistar a Copa do Mundo da França. O objetivo mais próximo é ganhar a Copa América. E, entre as duas, tem o Campeonato Italiano, que será um grande desafio.
Folha - Você tem sido muito mais marcado, até de forma desleal, pelos zagueiros. Como será na Itália?
Ronaldinho - Os zagueiros marcam duro e dão porrada. A arbitragem deveria ser muito mais rigorosa. Para o bem do futebol, o carrinho teria que ser abolido. Futebol se joga em pé, não deitado.
O torcedor vai para o estádio ver jogadas bonitas, de efeito e gols bonitos. Não violência.
Outro dia, contra o Peru, um cara me deu uma porrada por trás e me xingou de filho da puta. Eu revidei, mas me arrependi. Foi um dos primeiros cartões amarelos da minha carreira. Nunca fui expulso.
Folha - Como você cuida da sua imagem?
Ronaldinho - Penso muito na influência que tenho. Procuro não falar nada que passe alguma coisa errada para as pessoas, principalmente para as crianças. Não posso dar mau exemplo.
Folha - Você é vaidoso? Vai tirar essa marca que tem na testa?
Ronaldinho - Essa marca na cabeça veio depois de um choque no jogo contra a Noruega. Se não sumir, vou fazer uma plástica.
Folha - Você já pensou no que fazer depois que parar de jogar?
Ronaldinho - Ainda é muito cedo. Mas vou ficar uns cinco, seis anos sem fazer nada. Conhecer lugares que eu não pude aproveitar até agora. Minha vida é só estádio, aeroporto, hotel. Paris, por exemplo, é uma cidade que eu quero conhecer melhor.

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