São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997 |
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Cássia Eller finca marco histórico nos anos 90
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Optando por um show de repertório datado e por uma roupagem démodé de rock'n'roll, Cássia comete o prodígio de fincar um marco na história brasileira do espetáculo musical nos anos 90. O que comparece ao palco é um demônio, gênio musical de grandeza ímpar. Seu corpo -mais a direção infalível do já histórico Waly Salomão- exprime quase um espetáculo de artes plásticas. Onde a falsa extrovertida Marisa Monte é um primor de gestual atrapalhado, a falsa tímida Cássia Eller é atriz do canto, musa de expressões e atitudes precisos. Uma é plástico, outra é víscera. Para além das tolices "rebeldes" de cuspir, escarrar e esboçar gestos obscenos, seu aparato reúne num só artista o corpo histórico da música "rebelde". Imita a voz doce de Rita Lee num fragmento de "Bem-Me-Quer", exibindo que com o vozeirão que possui poderia se inspirar em quem quisesse, até na doçura de Rita. Prefere a tarja rascante que proíbe parâmetro de comparação -Eller só parece Eller. Aí expele uma interpretação brava de "Vida Bandida", de Lobão, a expor -para quem ainda não percebeu- a genialidade de Lobão, outro desses roqueiros marginalizados dos 80. "Preciso Dizer Que Te Amo", "Mal Nenhum" e "Só as Mães São Felizes" deixam atônitos os que não acreditavam que algo novo pudesse ser evidenciado em Cazuza. O gestual exagerado é suporte para o desnudamento da palavra. A mise-en-scène nunca dispersa atenção, antes realça e reformula o teor do que está sendo cantado. Por último, há a ruptura -não seria um marco se não houvesse. Cantando tema do músico flamenco Camaron de la Isla, Cássia revela-se única artista disposta a romper com a hegemonia conformizante e já por demais estendida do gênio da raça Caetano Veloso. Canta em espanhol -em êxtase de fúria- para forjar identidade, não para ensaiar a unidade latina ensejada pelo Caetano de "Soy Loco por Ti América", muito menos pelo de "Fina Estampa". Não é por outra razão que ela adentra o show portando um cavaquinho, ponte involuntária com o mangue. Uma era se abre com "Veneno Antimonotonia", quem tiver coragem que se engaje. Aos incrédulos, resta conferir ou deixar a história escorrer, feito cão que ladra enquanto a caravana passa. A caravana de Cássia passa com ar de escola de samba. Show: Veneno Antimonotonia Artista: Cássia Eller Quando: hoje, às 20h Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, Moema, tel. 531-4900) Quanto: de R$ 20 a R$ 40 Texto Anterior: DJs e drag queens são destaque Índice |
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