São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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Liberdades políticas serão limitadas após a devolução, diz líder pró-democracia

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL A HONG KONG

Ativistas vão precisar de coragem, diz Emily Lau, uma das mais arrojadas figuras da oposição a Pequim

Hong Kong não terá o mesmo grau de liberdade política depois de 1º de julho, e os ativistas pró-democracia deverão ser "corajosos" para enfrentar um "gigante" como o regime de Pequim. A avaliação é de Emily Lau, líder do movimento político pró-democracia Fronteira e integrante do Conselho Legislativo de Hong Kong, o Parlamento que será dissolvido pela China.
Lau, acusada de "subversiva" por Pequim, aparece em diversas pesquisas como a personalidade política mais popular do território. Desde sexta-feira, quando o conselho realizou sua última sessão, está desempregada. Diz que vai ter de procurar trabalho.
Dona de um estilo arrojado, chegou a ser detida pela polícia durante quatro horas em dezembro, ao organizar protestos contra o regime chinês.
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Folha - Hong Kong terá o mesmo grau de democracia depois de 1º de julho?
Emily Lau - Temo que não. Há sinais de que o governo chinês quer limitar nossas liberdades civis, e Tung Chee-hwa, o próximo governador, escolhido por Pequim, disse ser necessário encontrar um equilíbrio entre ordem e liberdades civis e lançou uma proposta de mudanças nas leis sugerindo que não temos esse equilíbrio agora.
Claro que não concordo com ele. O que temos agora é o equilíbrio certo. As leis foram mudadas recentemente, em 1992 e em 1995, e creio que temos um quadro equilibrado no que se refere aos direitos de associação, de reunião. Não tivemos, sobre essas leis, reclamações dos empresários, que são gente muito egoísta. Ou seja, aqui não há gente pedindo que essas mudanças, restringindo as liberdades civis, sejam feitas.
Folha - Então por que Tung Chee-hwa insiste em implantar as mudanças?
Lau - Levam as mudanças adiante porque são muito sensíveis a essa questão de liberdades e querem retaliar contra as iniciativas britânicas de aumentar liberdades civis, realizadas nos últimos anos.
Folha - Qual o grau de autonomia que Tung terá em relação a Pequim?
Lau - Creio que ele estará sob controle chinês. A razão para ter sido escolhido é porque os chineses sabiam que teriam-no sob controle. Não temos ilusões. Teremos um governador com autonomia apenas se ele for eleito por nós. Mas não sei quando isso ocorrerá.
Folha - Quais serão os principais retrocessos no campo das liberdades civis?
Lau - Há tentativas de se limitar o direito de associação e manifestação. Também há tentativas em relação à liberdade de expressão e de imprensa. Já há autocensura, não apenas nos meios de comunicação. Empresários, religiosos, sindicalistas, muita gente evita externar sua opinião para não entrar em conflito com o novo poder.
Folha - O que a sra. vai fazer depois de 1º de julho, já que estará desempregada?
Lau - Terei que procurar emprego, pois atualmente dependo do meu salário como integrante do Conselho Legislativo. Vários colegas do campo democrático também terão que arrumar emprego, embora vários deles já tenham uma atividade fora da política. Temo também que muitos empregadores não vão querer trabalhar com gente como nós, sabendo que Pequim nos vê como "criadores de problemas".
Folha - Por que as manifestações organizadas pelo chamada "campo democrático" nunca atraem muita gente?
Lau - Não acho que haja apatia. Vimos muita gente marchando pelas ruas de Hong Kong em 1989, antes e depois do massacre do movimento pró-democracia da praça Tiananmen, em Pequim.
Mas é verdade que não vemos hoje a metade, ou mesmo uma fração, do número de pessoas que saíram às ruas naquela época. Houve cerca de 1 milhão de pessoas marchando!
Agora não vemos tanta gente, e há várias razões. Uma delas é o fato de as pessoas serem muito sensíveis, emotivas em qualquer assunto ligado à China. Muitos deles se identificam como chineses e têm dificuldades para protestar contra Pequim, motivados por patriotismo e nacionalismo.
Também muita gente acha inútil ir às ruas. Eu discordo e acho que temos que nos mobilizar para defender nossos direitos.
Folha - Qual a estratégia dos grupos pró-democracia depois de 1º de julho?
Lau - É difícil falar em estratégia quando se enfrenta um gigante como Pequim. Continuaremos a usar nossos direitos, direitos que tínhamos sob o domínio colonial britânico, e não aceitaremos nenhuma iniciativa que busque limitar nossa liberdade. É claro que deveremos ser corajosos, vamos protestar ou até recorrer a outras formas de desobediência civil. Mas não recorreremos à violência.

LEIA MAIS sobre Hong Kong às págs. 23, 25, 26, 27, 28, 29 e 32

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