São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 1997
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Próxima viagem de FHC será na maionese

FERNANDO GABEIRA
COLUNISTA DA FOLHA

Cada vez que um presidente do Brasil viaja, o país viaja com ele. Sua agenda é meticulosamente trabalhada para que todos tenhamos uma lição do líder, que nos aponta um musical da Broadway, um ato de repercussão na política nacional e, por que não?, uma foto que possa simbolizar a modernidade e o futuro risonho.
Algumas coisas escapam, como o lançamento de um novo programa de estímulo ao consumo do álcool como combustível. Isso estava reservado unicamente ao consumo externo, uma vez que, internamente, não se chegou a consenso.
Um dos assessores presidenciais explicou assim a decisão bombástica: "Os quatro líderes mundiais estariam presentes ao encontro. Não podíamos falar abobrinhas. Tínhamos de alcançar algum impacto."
A agenda, portanto, visa sempre a impressionar os dois públicos: interno e externo.
No caso da "foto oportunidade", os jornais noticiaram que o presidente buscava um encontro com Tony Blair mas os ingleses estavam querendo que ele se encontrasse com um personagem menos importante do governo. Foi preciso insistir no encontro com o próprio Blair.
Os ingleses capitularam. Afinal, uma foto aqui outra ali é o mínimo que se pode fazer com um presidente, uma vez que Blair posou com inúmeros turistas nas ruas de Amsterdã.
A importância do encontro é simbólica. O presidente diz que Blair executa as idéias do governo brasileiro. Na verdade, Blair significa um passo adiante em relação à fase idílica do governo liberal. O presidente quer ser o presente e o futuro nesse gesto simbólico. Quer ser Thatcher hoje e Blair amanhã, monopolizando as alternativas a ele mesmo.
Tudo bem, mas fica uma ponta de tristeza. Essa parte da agenda lembra os políticos do interior que em Brasília querem ter uma foto ao lado dos líderes, na suposição de que partilhar o mesmo espaço cromático significa incorporar as qualidades do outro.
Mais estranho ainda foi ver a foto de Itamar perdido na ONU e também os dois líderes nacionais discutindo o futuro de Minas e posando em cima da ponte. Minas de Tomás Antônio Gonzaga a Darcy Ribeiro é um lugar que revelou grandes intelectuais na política.
A hipótese de que o destino político do Estado seja resolvido em cima da ponte em Nova York por apenas dois homens revela que alguma coisa está profundamente errada por lá. Aliás, outros indícios se acumulam, como por exemplo a rebelião da Polícia Militar.
Nelson Rodrigues dizia que a seleção nacional era a pátria de chuteiras. O presidente fora do Brasil é a pátria de passaporte. Assim como nos sentimos no direito de partilhar com Zagallo a escalação de cada um de nossos craques, deveríamos poder influenciar também a agenda presidencial.
Talvez não tenhamos nunca um presidente off-Broadway, mas alguns princípios básicos precisam ser mantidos: não fazer declarações para inglês ver (novo programa do álcool), não tomar grandes decisões políticas nacionais fora do Brasil nem batalhar fotos ao lado de ninguém, pois encontros de líderes internacionais acontecem porque são necessários, brotam de uma agenda comum -fora disso estão sempre no limite do ridículo.
Não sei se esse leve constrangimento se deve aos movimentos do presidente ou à minúcia com que os jornalistas os descrevem.
Não me lembro de ter lido nunca relatos tão detalhados sobre o cotidiano de líderes em viagem. De um modo geral, cobre-se o discurso num encontro internacional, contatos políticos de peso e, no máximo, acompanha-se a primeira-dama a uma visita a um hospital infantil. A cobertura das viagens presidenciais, para mim, é um sobressalto.
Você acompanha o presidente em todos os seus lances. É tudo tão detalhado que você chega a se espantar de ter reais no bolso e não dólares.
Você vai a um musical, janta num restaurante (seguem-se todos os pratos comidos, indicações sobre quem pagou, quem não pagou) volta para o hotel, congestiona a porta do teatro com seguranças -enfim, viaja na maionese mediática, cuja receita é preparada no próprio palácio presidencial. Os nova-iorquinos que passavam diante da porta do teatro, ao verem tantos fotógrafos, gritavam alegremente: é a Madonna, é a Madonna.
Não deveriam ter dado a idéia. Há sempre o perigo de, numa próxima viagem, o presidente querer fazer uma visita a Lourdes Maria, filha de Madonna.
Recentemente acenderam velas para ele em Lourdes, a basílica. Havia fotógrafos por todos os lados. Há uma grande cobertura, mas não há uma crítica de viagens no Brasil.
Se elas se reduzem a um espetáculo como qualquer outro, mereciam o mesmo rigor com que se analisam os filmes, álbuns e peças que entram e saem de cartaz.
Onde estará o bonequinho da crítica nessa última viagem presidencial: aplaudindo, dormindo ou, simplesmente, abandonando o cinema?

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