São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 1997
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Documenta de Kassel lança novo olhar sobre a África

Continente deixa de ser apresentado como exótico

CELSO FIORAVANTE
ENVIADO ESPECIAL A KASSEL

A curadora Catherine David, em sua entrevista exclusiva à Folha no início deste mês, citou o cinema como um idioma privilegiado para apresentar o continente africano.
A explicação dessa afirmação veio agora, com o início da mais importante mostra de arte contemporânea do mundo. Nela, a África ganhou um novo olhar.
Representada pelo videomaker nigeriano Oladélé Ajiboyé Bamboyé e pelo cineasta mauritano Abderrahmane Sissako, a África deixa de ser um lugar exótico ou trágico, como tem sido frequentemente vista pela mídia e pelo consumo de massa.
"Não é uma estratégia voluntária representá-los apenas por cinema e vídeo, mas me parece que são mídias úteis para a reflexão sobre a cultura, para a tentativa de desconstruir essa visão naturalista do continente. Ela tenta fazer uma análise muito mais complexa e apresentar a cultura contemporânea africana em toda a sua complexidade. Eu quis mostrar artistas capazes de se confrontar com processos de aculturação", disse David à Folha.
A representação de David vai contra, por exemplo, à apresentada por Jean-Hubert Martin na seção africana da Universalis na última Bienal de São Paulo, em que predominava o exótico.
Pouco importa se os vídeos de Bamboyé não apresentam a riqueza tecnológica de um trabalho de Num June Paik. Podem ser até chamados de primitivos, já que a diferença aqui está na forma de apresentação, desvinculada de artifícios voyeurísticos colonialistas.
Os vídeos de Bamboyé, por exemplo, estão sendo exibidos na entrada ou em locais de passagem de três prédios da Documenta. Nenhum foi exibido em sala fechada.
"Isso foi muito voluntário. Ficou claro que queríamos ter essas imagens, principalmente as de Bamboyé, sempre na entrada dos prédios, como imagens muito visíveis e impactantes, para que funcionassem como uma metáfora de algo que ainda está entrando, mas que não está totalmente em diálogo com outras formas artísticas. A idéia foi deixar a África sempre muito presente, mas sempre como uma questão à margem", disse a curadora.
As imagens devem funcionar assim como um rito de passagem do ocidental para a cultura africana, só para usar um termo comum à cultura e ao cotidiano do continente, por sua vez, muito ligados à formação de imagens por meio da narrativa. Basta lembrar os griots, os contadores que transmitem por meio de histórias toda a cultura de sua tribo.
"Rostov-Luanda", o primeiro longa de Sissako (ele tem apenas três curtas no currículo), é produzido pela própria Documenta. O nome refere-se à cidade em que ele estudou russo e à cidade do amigo angolano que ele procura no filme. Mais uma vez, é a viagem que dá o tom.

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