São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 1997
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'Boat people' sobrevivem à Guerra Fria

GILSON SCHWARTZ
DO ENVIADO ESPECIAL

Os "boat people", algo como "as pessoas dos barcos", são os imigrantes clandestinos que há décadas procuram refúgio em Hong Kong. A ONU descreve essas pessoas como "sobras da retirada" dos norte-americanos depois das sucessivas derrotas frente aos comunistas em 1975 no Camboja, Laos e Vietnã. Saíram mais de 130 mil oficiais e dependentes e, no vácuo da desocupação, dezenas de milhares de indochineses.
Na época, a China lutava contra o Vietnã, e os Estados Unidos apoiaram, junto com os chineses, o genocídio praticado pelo regime do Khmer Vermelho no Camboja. Houve uma fuga em massa de vietnamitas que foram aportar, muitos carregados por navios mercantes, nas costas de Hong Kong.
As ondas de fugitivos vietnamitas são mais um capítulo da história repugnante da Guerra Fria na Ásia. Muitos conseguiram reconstruir suas vidas na França, Canadá e outros países. Outros procuraram a Tailândia e a Malásia.
Somente em 1979, Hong Kong recebeu 55 mil refugiados. Os campos locais abrigavam 350 mil, enquanto meio milhão de cambojanos se acotovelava na fronteira tailandesa. Mas foi Hong Kong, com a promessa de vida melhor, que recebeu a maior quantidade.
Já nos anos 80 intensificaram-se os esforços para repatriar essa massa humana. Em 1979, 89 mil imigrantes ilegais foram deportados. Mas o governo britânico tinha uma política curiosa: deportava os chineses e mantinha ou apoiava a transferência dos vietnamitas.
Em 1982, Hong Kong optou por uma política de campos de concentração de refugiados, fechados e com restrições à obtenção de empregos e outras facilidades. Mesmo assim, em 1988 a imigração ilegal jogava mais 34 mil refugiados vietnamitas no território. As autoridades britânicas retomaram uma política de repatriação voluntária e, depois, involuntária mesmo.
Nos anos 90, entretanto, a ONU fez a mediação e os governos do Reino Unido e de Hong Kong firmaram um acordo de repatriação com o próprio governo do Vietnã. Entre 1990 e 1991, mais de 20 mil vietnamitas chegaram.
Há um ano, depois de um processo intensivo de repatriação, em parte reclamado pelas autoridades chinesas, e de muita violência nos campos superlotados, havia 15 mil vietnamitas nos campos de Hong Kong. O contingente caiu para pouco mais de 2.000 pessoas, segundo a ONU, em junho de 1997.
No balanço do programa das Nações Unidas foi registrada a entrada de 213.344 vietnamitas em Hong Kong desde 1975. Muitos continuam sobrevivendo, ilegalmente, em barcos ou favelas incrustradas entre os arranha-céus de vidro e aço que parecem a muralha capitalista da nova região da China.

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