São Paulo, terça-feira, 1 de julho de 1997
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Combate ao contrabando requer inteligência

SYNÉSIO BATISTA DA COSTA

Cada vez que o contrabando cresce no país, ou se silencia ou surge à tona uma autoridade com desculpas esfarrapadas. O governo joga a culpa na extensão das fronteiras ou na falta de recursos para a repressão, como se esses fatos fossem determinantes no aumento do contrabando. Na verdade, já não o são. E também não é mais possível culpar o Paraguai, que, aliás, nada tem com isso.
No Brasil, o grosso do contrabando não ingressa no país por intermédio dos "sacoleiros", mas pela fiscalizável via dos portos e dos aeroportos. Quem o atesta é um discreto, porém diligente órgão da Receita Federal, a Coplanc (Comissão de Coordenadoria, Planejamento e Combate ao Contrabando). Trata-se de um verdadeiro serviço de inteligência da Receita, que até agora não recebeu do governo o reconhecimento e o apoio devidos.
Graças à Coplanc, descobriram-se esquemas sofisticados de contrabando, associados ao subfaturamento. Cito um exemplo. Um "importador" declarou que estava trazendo mil peças no valor de US$ 3 cada. Descobriu-se que, na verdade, as peças custavam US$ 10 -é o subfaturamento. Aberto o contêiner, lá havia mais 9.000 peças não declaradas -é o contrabando.
Esse é apenas um dos estratagemas utilizados pelos modernos contrabandistas. Ocorre que tais práticas se disseminaram a tal ponto que a vasta maioria dos importadores tem um esquema espertinho.
A soma desses esquemas tem provocado prejuízos incalculáveis à indústria instalada no país, que procura aumentar sua competitividade concorrendo com os produtos estrangeiros legalmente importados.
Contra esse estado de coisas, proponho que os empresários e suas entidades recorram à Coplanc sempre que tiverem indícios de irregularidades. Entretanto, isso será inócuo se o órgão continuar confinado a uma pequena sala num anexo da Receita Federal, sem recursos para agir.
É preciso que a Receita mude a forma de encarar a Coplanc, facilitando sua atuação. Hoje, quem lá trabalha, aparentemente, não se sente muito encorajado. De vez em quando, grandes operações, que mobilizam agentes de outros setores e Estados, injustificavelmente obtêm pouco apoio.
Entendo que o governo tem a obrigação de ir mais além. A Coplanc deveria ser remodelada e transformada no órgão oficial de inteligência, com vista à proteção do comércio exterior. Um primeiro passo seria acertar uma ligação estreita entre esse setor da Receita e o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo.
Dessa forma, o governo teria informações permanentes sobre irregularidades, de modo a agir e reprimir ou pressionar governos de outros países para tomarem providências junto a seus exportadores. É o que, aliás, os países da Organização Mundial de Comércio fazem, quando não impõem diretamente sobretaxas ou cotas às importações.
Hoje, o comércio internacional nos governos é assunto de estruturas profissionais de primeira linha. No Brasil, parece que o tema é propositalmente deixado para segundo plano. A conjugação subfaturamento/contrabando mascara o déficit da balança comercial de produtos acabados. Esse déficit seria 40% maior se conseguíssemos contabilizar as importações irregulares.
É estranho que o governo não atue mais firmemente, como mostram as dificuldades enfrentadas pela Coplanc. No entanto, o preço que estamos pagando por esse descaso é o inaceitável fechamento de empresas e postos de trabalho. Se não houver uma mudança radical de postura por parte do governo, serão solapadas as bases sérias de nossa economia de mercado.

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