São Paulo, terça-feira, 1 de julho de 1997
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Transformar para sobreviver

LUÍS NASSIF

O caso Suframa é mais um daqueles episódios que provocam toda sorte de curto-circuito na maneira como a opinião pública sente o governo.
Nesse modelo político em que o país foi moldado, ninguém de bom senso vai supor que será possível conduzir as reformas sem alguma espécie de negociação ou concessão. Não há vestal nesse jogo.
É papel do presidente montar a engenharia política e obter essa maioria; assim como também se aceita que busque a reeleição como forma de consolidação das reformas.
Tudo isso se justifica, desde que não se perca de vista -nunca- o objetivo final: a travessia para o novo país que se pretende.
Mas a concessão desenfreada ao fisiologismo para a montagem de maiorias acaba encerrando um risco cada vez mais presente: pessoas que, no poder, empenham-se tanto em sobreviver, para supostamente transformar, que acabam se transformando para sobreviver.
As reformas foram adiadas em 1994 porque antes era preciso se eleger; em 1995, porque era primeiro ano de governo; em 1996, porque antes era preciso garantir a emenda da reeleição; em 1997, porque antes é preciso se reeleger.
Por quanto tempo prosseguirá esse jogo?
O episódio da Suframa é mais um daqueles casos emblemáticos que deixam de cabelos em pé qualquer cidadão minimamente antenado com esse jogo político anacrônico.
Irregularidades
A Suframa sempre foi o butim preferido de alguns dos setores políticos mais anacrônicos do Congresso. Por lá, montou-se uma mar de irregularidades, do pagamento de pedágio pela obtenção de cotas de importação à venda superfaturada de terrenos para novas indústrias.
Tempos atrás, foi indicado para a superintendência da Suframa o técnico de carreira Mauro Costa, que trabalhava na Secretaria de Planejamento do Ministério do Planejamento.
No cargo, não fez nada de mais, a não ser desempenhar papel técnico. Combateu as empresas-fantasmas, demitiu apaniguados políticos, acabou com a mutretagem da compra de terrenos a preços ínfimos e venda supervalorizada a novas indústrias.
Quando estourou o escândalo da compra de votos, surgiram as primeiras informações sobre o acordo político do governo federal com o governador do Amazonas, Amazonino Mendes, que contemplaria a substituição de Costa, e o leilão da Suframa -setor-chave dentro do processo de industrialização brasileiro.
Na semana passada -conforme revelou Janio de Freitas-, Amazonino foi depor na Câmara sobre a compra de votos. E sua assessoria revelou que havia obtido, em contrapartida, a demissão de Costa. E a demissão foi anunciada.
Lobo e carneiro
A alegação do presidente é risível: Costa havia aparecido no Palácio em companhia do presidente do PSDB, Arthur Virgílio, e com isso rompeu o compromisso de não politizar o cargo.
FHC considerou aparecer ao lado do presidente do seu próprio partido um episódio mais grave do que o grampo no telefone de um assessor direto -que levou quase um mês para resultar em demissão.
Não adianta essa conversa de que o novo superintendente será técnico. Ele já entra no cargo sabendo que o governador Amazonino Mendes e seus aliados mantêm intocado seu poder de veto sobre os superintendentes da Suframa.
Do modo como o barco caminha, o melhor que o PSDB teria a fazer seria abandonar a candidatura FHC e lançar candidato próprio. E as pessoas sinceramente preocupadas em reformas no país devem avaliar objetivamente até que ponto o FHC atual é o mesmo que foi eleito em 1994.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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