São Paulo, terça-feira, 1 de julho de 1997
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1º de julho ou 1º de abril?

VICENTE PAULO DA SILVA

Após três anos de Plano Real, está evidente que o efeito positivo do controle da inflação foi superado pelos efeitos negativos, que recaem sobre os trabalhadores e a maioria do nosso povo.
Fracassou a promessa presidencial de que a queda da inflação seria acompanhada pelo crescimento com justiça social. E, em vez de concentrar esforços para reverter esse quadro, o governo optou pela propaganda enganosa ao prestar contas à sociedade.
O prometido crescimento elevado e seguro foi, de fato, medíocre e instável, o que é lamentável. O crescimento do PIB perdeu vigor -caiu de 6% em 94 para 4,2% em 95 e 2,9% em 96.
Segundo o Banco Central, os investimentos nos últimos três anos oscilaram entre 15% e 16,6% do PIB (e em poucos setores), taxas inferiores às dos anos 80, considerados como a "década perdida".
Enquanto a indústria em geral cresceu somente 2,7% em todo o período do Real (crescimento de gato, não de tigre asiático), o setor de bens de consumo duráveis cresceu mais de 41%. Infelizmente, esse crescimento não foi acompanhado pelo fortalecimento da cadeia produtiva.
Ao contrário, cresce a utilização de componentes importados na montagem do produto acabado, resultando na desindustrialização do nosso país.
Segundo o BNDES, entre 93 e 96 o conteúdo importado nesses setores saltou de 11% para 16,5%, em média. Em alguns casos, alcança mais de 64%. Isso resultou no fechamento de empresas, na eliminação de postos de trabalho e em problemas para a balança comercial.
É também propaganda enganosa creditar a supostos aumentos salariais a forte expansão do consumo. Esta deveu-se à retomada do crédito direto ao consumidor. Entretanto, a capacidade de endividamento do trabalhador está no limite, em virtude de perdas salariais, das condições precárias de trabalho e das demissões.
Os efeitos do Real no mercado de trabalho também são muito distintos daqueles da propaganda oficial. Em julho de 94, a taxa de desemprego na Grande São Paulo foi de 14,5% (Seade/Dieese), enquanto em maio de 97 foi de 16%.
Os trabalhadores da indústria foram os mais afetados, com a extinção de 209 mil postos de trabalho na região. Aumentou também o tempo médio de desemprego (de 22 semanas para 26), sem a melhora das condições de proteção ao desempregado.
Segundo o próprio Ministério do Trabalho, cresceu a informalidade. Entre julho de 94 e março de 97, foram eliminados mais de 700 mil empregos formais no país. Diferentemente da tese oficial, a eliminação de empregos na indústria, nos bancos e na agricultura não foi compensada pela geração de empregos no comércio e nos demais setores dos serviços.
A busca a qualquer custo da competitividade tem levado as empresas a abusar das horas extras, submetendo os trabalhadores a riscos cada vez mais elevados. De 1993 a 1997 (março), segundo o Dieese, mais 834 mil trabalhadores passaram a fazer horas extras. Esse aumento do ritmo de trabalho resultou, no período, em um aumento de 102% nas doenças profissionais e de 18,31% nos óbitos.
Diante dos reconhecidos reflexos do Plano Real para as dívidas pública e externa, o governo tomou iniciativas como responsabilizar o funcionalismo pela grave crise fiscal, causar um profundo arrocho salarial no setor público e eliminar direitos dos trabalhadores, como no caso das aposentadorias e na tentativa de quebra da estabilidade.
Para garantir o pagamento dos altos juros, reduziu a participação de todos os gastos na área social, principalmente na educação (de 6,3% em 95 para 5,4% em 96 -ambos em relação ao Orçamento total) e na saúde (de 9,3% em 95 para 8,3% em 96). O governo elegeu 1996 como o ano da educação. Pode-se imaginar o que esperar para 1997, o ano da saúde.
A tudo isso somam-se o descaso diante da necessidade urgente da reforma agrária e a impunidade diante dos conflitos no campo -em 95 foram mais de 380 mil pessoas envolvidas (Comissão Pastoral da Terra), representando um crescimento de 26% em relação a 94.
Do mesmo modo, cresceu a área envolvida em conflitos, passando de 1,8 milhão de hectares para 3,25 milhões. O pior é que o crescimento da luta pela terra é sempre respondido pela criminalização do movimento social, revelando a face conservadora do governo. Não adiantam xingamentos, com insinuações ameaçadoras do uso de baionetas. O presidente tem que agir, democraticamente.
Nós, da CUT, temos convicção de que há saída. É um problema de prioridade política, associada à opção por executar um conjunto de políticas e ações capazes de aliar a estabilidade com o crescimento e a inclusão social.
Essa prioridade deve orientar a reorganização das políticas econômicas e públicas -políticas industrial, agrária e agrícola (dando prioridade à agricultura familiar), criação e fortalecimento do sistema público de emprego, entre outras medidas.
Mudar essa realidade requer a participação dos trabalhadores e de toda a sociedade, e temos propostas concretas para tal. Do jeito que está, o Estado, no governo FHC, continuará fraco para os pobres e forte para os ricos.

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