São Paulo, terça-feira, 1 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Razão e vontade

ANDRÉ LARA RESENDE

Na semana passada, sustentei que o espectro do desemprego crônico como decorrência do progresso tecnológico e da globalização é um falso fantasma.
A verdadeira causa do alto desemprego em certos países europeus é a combinação do mercado de trabalho necrosado por uma legislação inflexível com a falta de dinamismo da economia, asfixiada pelo protecionismo do capitalismo de Estado.
Sei que o tema é complexo e controvertido. Não há como tratá-lo com a devida profundidade neste espaço. O artigo de jornal serve, na melhor das hipóteses, para estimular o debate e levar o leitor interessado a se aprofundar.
As manifestações foram muitas. O professor José Pastore, da USP, especialista em economia do trabalho, concordou. Lembrou que quanto mais inflexível a legislação e o mercado de trabalho, maior e mais persistente é o desemprego e a economia informal.
Um combativo defensor da integração econômica observou que a abertura pode realmente causar desemprego quando os salários são rígidos. A menor proteção tarifária modifica os preços relativos e a rentabilidade de diferentes setores e atividades. Quanto mais inflexível o mercado de trabalho, mais longo e penoso será o processo de reorganização.
Trata-se, entretanto, de um desemprego setorial e transitório. Muito distinto do desemprego crônico apregoado pelas teses do pessimismo tecnológico.
Já Clóvis Rossi parece discordar. Ainda na semana passada, em artigo aqui do lado, defendeu a tese de que nossos encargos trabalhistas não são altos.
Baseou-se num trabalho que utiliza uma definição mais restrita de encargos. O professor José Pastore protestou em carta ao "Painel do Leitor": não importa o nome que se lhes dê, tudo que onera o custo da mão-de-obra contribui para o desemprego e a informalidade.
No sábado, Clóvis Rossi voltou a protestar contra os que querem dar mais flexibilidade ao mercado de trabalho.
Segundo ele, um artigo do economista Marcelo Neri, do Ipea, observa que houve uma redução significativa da pobreza nos 15 meses posteriores ao Real. Como grande parte dessa melhoria se deu nos meses em que o salário mínimo foi reajustado, conclui: o mínimo não é nem remotamente desprezível como fator de combate à pobreza.
Sinceramente! A inflação é um imposto terrível sobre o pobre. Estabilizam-se os preços, vindo de uma inflação de 50% ao mês. O mínimo é reajustado, como o foi sistematicamente durante todos os anos anteriores. A pobreza se reduz. Qual o fator responsável pela redução da pobreza: o fim da inflação ou o aumento do mínimo?
Não é preciso conhecer econometria ou ter ouvido falar em correlação espúria para perceber que atribuir o crédito ao reajuste do mínimo é absurdo.
Temos propensão para gostar dos argumentos favoráveis às teses que nos são caras.
Ainda na semana passada, tomei de um amigo o livro com entrevistas de Jorge Luis Borges que trazia na pasta. Questionado se estaria de acordo com Bernard Shaw, segundo quem a função da inteligência é justificar a vontade, Borges responde, melancólico, que infelizmente é possível.
Discordo, mas reconheço que a tentação é grande.

Texto Anterior: Nesta data querida
Próximo Texto: 1º de julho ou 1º de abril?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.