São Paulo, quinta-feira, 3 de julho de 1997
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Por quê?

MATINAS SUZUKI JR.
DO CONSELHO EDITORIAL

Explicar a mordida pela violência congênita do boxe, é primário demais para ser levado a sério.
Dizer que ele perdeu o controle é só dizer que ele perdeu o controle. Aliás, Tyson mesmo reconheceu que perdeu o controle. E daí?
Vários analistas disseram que o medo de perder levou Tyson à reação desesperada, o que também é insuficiente.
É fácil perceber que, mais do que uma luta e do que uma disputa de título, para Tyson estava em jogo algo maior: a sua carreira e, junto com ela, estava em jogo, na sua cabeça duríssima, um julgamento moral sobre ele mesmo.
Às vésperas do evento, Mike Tyson chamou os jornalistas para um bate-papo, algo absolutamente inusual.
Nele, o agora ex-homem de aço tentou mudar a sua imagem de bad boy: falou dos filhos e da mulher, da solidão da prisão, onde passou boa parte do tempo lendo líderes comunistas (Trotsky, entre eles).
Uma de suas frases durante a conversa com jornalistas: "Eu não tenho amigos, cara. Se você não tem interesses na minha vida, você cai fora".
Demasiado amargo para quem estava próximo de tentar, novamente, o título de senhor do mundo.
Não é de todo correto explicar o ato bárbaro de Tyson pelo seu passado de trombadinha e pelas humilhações que passou -embora poucas vezes eu tenha visto alguém falar tanto e com tanta raiva sobre as humilhações que passou.
Creio que Mike Tyson nunca entendeu realmente o boxe (tenho dúvidas também se compreendeu as regras -algumas boas, outras ruins- para se viver em sociedade).
Ele não lutava contra um outro lutador: lutava contra si, contra pesadelos reais e fantasmagóricos, contra um rancor profundo que vestia luvas e precisava ser nocauteado.
Ele não foi educado para lutar: foi educado para vencer -e nessa mudança de pedagogia esportiva vai toda a ideologia de uma sociedade ultracompetitiva como a nossa.
Tecnicamente, Tyson nunca foi um lutador completo. Tinha uma agressividade e uma velocidade imbatíveis no apogeu (aliás, as mesmas qualidade que deve apresentar a estratégia das empresas no mercado ultraliberal de nossos dias).
Quando Norman Mailer relata que Muhammad Ali passava boa parte dos seus treinamentos aprendendo a ser golpeado, percebe-se claramente a diferença entre os dois.
Tyson estava acuado, no corner, nas cordas, na sua luta contra a vida. A derrota seria um novo fracasso impossível para ele mesmo.

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