São Paulo, sexta-feira, 4 de julho de 1997
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Fundo de ativos: uma contribuição ao debate

MAILSON DA NÓBREGA

O fundo de ativos proposto por Raul Velloso para custear as despesas dos ativos e pensionistas da União, objeto de meu artigo de 20 de junho de 97, tem sido duramente condenado, incluindo descabidas acusações de roubo da idéia.
São três as críticas: (1) a dos que dizem tratar-se de mero truque contábil para esconder o déficit, (2) a dos que são contra a exclusividade do uso dos ativos para pagar apenas um credor e (3) a dos que viram na idéia uma velhacaria corporativista.
A primeira crítica valeria se Velloso, um conhecido e sério especialista em finanças públicas, estivesse propondo um mero estratagema para disfarçar o déficit, mediante contabilização de despesa como crédito.
Como ele não é o único a dominar o tema, arriscaria sua reputação caso sugerisse um rasteiro enfeite de balanço. Se o governo usasse a idéia para distorcer as estatísticas, seria flagrado por qualquer analista econômico.
A proposta não é um embuste. Tem por objetivo utilizar ativos improdutivos da União, que ela nem sequer consegue conhecer na sua totalidade, para quitar a dívida futura representada pelos direitos de aposentados e pensionistas da União.
Intelectualmente honesto, Velloso deixou claro que na transição haveria o efeito contábil da diminuição do déficit. É que, enquanto o fundo não gerasse receitas, a União adiantaria os recursos, os quais seriam créditos seus de fato e de direito.
Quanto à questão da exclusividade, a proposta não veda a aplicação da idéia a outras dívidas. O senador Beni Veras, relator do projeto de reforma previdenciária, já propôs sua extensão para o caso da Previdência Social.
Poder-se-ia imaginar o uso desse patrimônio para pagar a dívida mobiliária da União. Nesse caso, entretanto, a proposta perderia seu caráter inovador.
O grande trunfo da idéia, a meu ver, é permitir a privatização da gestão dos ativos, possível no caso porque o fundo quitaria dívidas com aposentados e pensionistas.
Em outros casos, o processo seria operacionalmente inviável. É difícil ver, por exemplo, fundos mútuos aceitando terras, prédios e créditos tributários em lugar do pagamento em dinheiro por seus papéis.
Sob gestão pública, a venda de ativos se submete a um tortuoso processo administrativo. Além disso, a lei brasileira proíbe a transação nos negócios do Estado.
Por exemplo, os créditos fiscais da União não podem ser reduzidos a não ser por lei. Muitas vezes leva-se uma empresa desnecessariamente à falência por essa rigidez. É tudo ou nada. Em mãos privadas, seria possível a negociação, como faz qualquer credor.
A crítica ao caráter corporativista da proposta é equivocada. Em lugar nenhum Velloso diz que o fundo se destinaria a garantir aposentadorias. Elas já estão garantidas pela Constituição e por sentenças judiciais transitadas em julgado. É dívida líquida e certa.
Por essa visão, em lugar de criar o fundo, o governo deveria lutar para reduzir as aposentadorias. A proposta de Velloso seria, assim, simples conformismo com a situação.
Diminuir ou eliminar direitos é uma saída economicamente boa, mas política e juridicamente difícil. Mesmo que fosse possível vencer a questão do direito adquirido, não daria para esperar a longa batalha judicial e política.
Diz-se também que a proposta criaria dificuldades à rolagem da dívida interna e externa. Os credores perceberiam o desaparecimento do lastro real da dívida.
Essa crítica envolve um monumental desconhecimento de como funciona o crédito público. Em lugar nenhum os credores compram títulos públicos baseados em garantias reais ou no patrimônio do Estado.
O que garante o crédito público é a fidúcia. É a confiança de que o Estado tem capacidade de arrecadar recursos da sociedade e geri-los bem. Ninguém imaginaria receber o seu direito creditório contra o governo levando seus imóveis à hasta pública.
Nos EUA, a dívida pública federal é de cerca de US$ 4 trilhões. Os papéis não são adquiridos com base em lastro real. Nada tem a ver com as Montanhas Rochosas, por mais sólidas que sejam.
Há ainda outros aspectos pouco percebidos da proposta: Fecharia uma conta hoje em aberto, mudaria o regime de aposentadoria dos servidores e seria uma alternativa melhor ao aumento de impostos.
Pede-se, pois, uma discussão séria e realista, incluindo idéias para prevenir a corrupção na gestão do fundo. Há que considerar, ademais, o regime democrático e as particulares características do setor público brasileiro.

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