São Paulo, sexta-feira, 4 de julho de 1997
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O que trazem os ventos?

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO

Sopram novos ventos na Europa. Originaram-se na Inglaterra, atravessaram o Canal da Mancha e atingiram o continente, justamente a França, paragem propícia para a propagação de tudo que é novo, que pode trazer modificações ou "fazer moda".
É preciso "cheirar o vento", avaliar a sua intensidade, a direção, a sua duração provável etc. Quem não souber fazê-lo poderá pagar um preço elevado pela injúria, incompetência ou imprudência. O presidente Chirac que o diga. Mas essa é apenas uma variável, por mais importante que seja, dentro de um contexto mais amplo e complexo. O vento não se dissipou nas paragens francesas ou encaminhou-se para alto-mar. Continua no continente e vai soprando por outras terras mais ou menos distantes, pouco ou muito protegidas.
Sim, uma nova saga socialista se dispersa pela Europa. A leste, a Alemanha resiste, parece inexpugnável à novidade, jogando contra ela todo o seu poderio econômico e pragmatismo. Mas os resultados das eleições inglesas e francesas, com a ascensão, respectivamente, do trabalhista Tony Blair e do socialista Lionel Jospin, tiveram desdobramentos previsíveis.
Se não vejamos no congresso do Partido Socialista Europeu, realizado na primeira semana de junho em Bruxelas, os principais líderes presentes, capitaneados pelas novas estrelas emergentes da política européia (Blair e Jospin), reclamaram a necessidade de uma mudança de rumos na condução dos destinos do continente. As palavras de ordem foram: "Uma Europa social em vez da Europa monetarista." "A estabilidade européia não pode ser construída sobre uma taxa de desemprego absurda e crescente." "O pacto de estabilidade proposto na reunião de Dublin deve ser reavaliado."
Os menos avisados certamente concluíram: "A Europa está em pé de guerra." A reunião do Conselho Europeu, que viria a se realizar em 16 de junho, seria uma batalha campal.
Ledo engano. Percebendo que o Pacto de Estabilidade e a moeda única européia corriam risco, os bombeiros entraram em cena, e o pragmatismo venceu.
Aconteceu o lógico: o Pacto de Estabilidade, elaborado em dezembro de 1996 em Dublin, foi formalmente aceito pelos 15 países presentes, a União Econômica e Monetária da Europa foi referendada, com o estabelecimento do 1º de janeiro de 1999 para a entrada em vigor do euro, a nova moeda européia. E mais: para que tudo saísse de acordo com o figurino e não parecesse uma vitória incontestável da Alemanha, a questão do desemprego foi discutida e aceita como importante, merecendo até um documento em separado.
É claro, não foi aprovada uma linha de crédito especial do Banco Europeu de Investimento para o financiamento de programas de geração de empregos ou para o desenvolvimento de projetos de alta tecnologia. Não foi, também, aceita uma proposição ambiental que criava isenções fiscais para favorecer a criação de novos postos de trabalho e a utilização de fontes de energia não-poluentes.
Dentro de uma visão realista pode-se afirmar, porém, que não houve vencidos ou vencedores em terras holandesas. Afinal de contas, todos saíram satisfeitos da reunião do Conselho Europeu.
O importante é o estabelecimento do debate para uma reorientação política que promova a construção da Europa do próximo século e as repercussões desse fato em nível mundial.
Até que ponto essa assertiva é verdadeira é difícil de se avaliar. Um fato, porém, é inquestionável: os socialistas franceses, apoiados por seus aliados internos e correligionários europeus, vão colocar em prática uma política distinta da conduzida pelo último gabinete direitista liderado por Alam Juppé.
Esse fato ficou mais uma vez evidente no pronunciamento que o atual primeiro-ministro fez à Assembléia Nacional, por ocasião da apresentação do seu plano de governo. Será essa "nouvelle vague socialiste" um vendaval capaz de provocar mudanças substantivas ou trata-se apenas de uma simples aragem que veio somente para permitir que a situação permaneça como está?
Dentre as indagações, fica uma certeza: O pior será o eleitorado francês concluir, nas próximas eleições, que, após os insucessos de Juppé e Jospin, a solução seja a direita radical com Le Pen.

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