São Paulo, sexta-feira, 4 de julho de 1997
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Quarteto domina sua grandeza

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Imagine uma música na qual tudo está sempre em mudança, um tecido sonoro em transformação constante, em que há tão-somente pequenos objetos ou gestos, que servem como disparos para a propulsão dessa arte inteiramente cromática; uma música, finalmente, feita de quase nada, mas de uma sensualidade inebriante e um sentido iminente de catástrofe.
Essa descrição não se refere à música do futuro: é uma tentativa de dar conta da música de nosso bisavô vienense, Alban Berg (1885-1935), cuja Suíte Lírica foi interpretada anteontem pelo quarteto que porta o nome do compositor como um ideal.
Completando 26 anos de atividade, o Quarteto Alban Berg continua tocando cada vez melhor.
Já desde o início do programa, no Quartettsatz de Schubert, o conjunto parecia transportado, de imediato, para uma outra região, onde tudo se justifica, com a naturalidade assombrosa da música.
Não é natural tocar tão bem: nuances mínimas, soando sempre impecavelmente em conjunto, como se o quarteto pudesse mesmo pensar e sentir sozinho, para além das quatro vontades.
O que ainda é mais curioso é perceber como os quatro músicos são diferentes e como transcendem a si mesmos no conjunto.
O caso da Suíte Lírica é exemplar. O quarteto vira uma orquestra virtual: a textura é quase sempre homofônica, uma massa de sons que se metamorfoseia em resposta aos "acidentes" líricos.
O Quarteto Alban Berg interpretou a obra do padrinho com a fluência e a inteligência tranquila de quem fala sua língua natal. Meia centena de gente tossindo não foi o bastante para estragar a iluminação dos outros.
O som do Quarteto tende para o nacarado, para as cores de outono, mas entrecortadas pelas explosões desse teatro musical. É um quarteto europeu; mais do que isso, vienense; e mais do que isso, é o Alban Berg, referência sonora na memória de todo mundo.
Hoje à noite, num programa só de Schubert, o Quarteto toca de novo o Quartettsatz, além de "A Morte e a Donzela" e o "Quarteto em Mi Bemol Maior" (do programa de ontem).
Vale pelo programa, pelo Quarteto e pela lição, valiosa, da diferença que existe entre uma gravação e uma interpretação ao vivo, sem aspas, de quatro grandes músicos, em pleno domínio da música e de sua própria grandeza.

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