São Paulo, sábado, 5 de julho de 1997
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Drummond invejava os farmacêuticos

CARLOS HENRIQUE SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

Cartas que vinham sendo guardadas no município de Cláudio (133 km de Belo Horizonte), obtidas com exclusividade pela Agência Folha, mostram que, mesmo poeta famoso, Carlos Drummond de Andrade não perdeu a admiração pela profissão que não seguiu.
Formado na Escola de Farmácia de Belo Horizonte em 1925, Drummond (1902-1987) sempre reconheceu sua inaptidão para o ofício -acredita-se que tivesse escolhido o curso apenas por ser o mais curto, com três anos de duração.
Em seu poema "Final de História", publicado em "Boitempo" (1968), no entanto, ele elogia a profissão e pede socorro.
"Vai, Amorim: sê por mim o que jurei e não cumpro. Fico apenas na moldura do quadro de formatura."
Esse Amorim de que fala o poema é o colega de curso Antônio Martins Amorim, morto em 1977, que virou farmacêutico em Cláudio e com quem Drummond manteve correspondência por 50 anos.
A correspondência entre os dois foi descoberta pelo escritor mineiro David de Carvalho, que pretende incluir as cartas em seu próximo livro, "História da Farmácia em Minas Gerais", pela editora Vile, de Itaúna (MG).
Logo após a formatura, o escritor já confessava para o amigo que não seria farmacêutico.
"Penso que não abrirei farmácia. Não tenho mesmo nenhum jeito para isso. Só me resta ser fazendeiro (o que também é pouco agradável para um temperamento como o meu)", escreve o poeta.
Em 1972, já famoso, Drummond ainda mantém a mesma opinião e escreve que "receoso de matar meus clientes em vez de curá-los, evitei cometer outros pecados além dos literários".
Para o professor de literatura Antônio Sérgio Bueno, autor do livro "Modernismo em Belo Horizonte", Drummond delega, em seus poemas e cartas, poderes para que Amorim seja seu representante no ofício de farmacêutico.
Bueno comenta que, pelas cartas, percebe-se também que Drummond faz uma analogia entre o ofício de poeta e o de farmacêutico.
"Mais de uma vez, ele se refere ao farmacêutico como manipulador de poções. Ele, porém, era um manipulador de palavras que se sentia recompensado por proporcionar um alívio da dor dos seus leitores pela poesia", diz Bueno.
Ao contrário de outros correspondentes de Drummond, Amorim não demonstra muito interesse por literatura e o assunto é muito pouco citado nas cartas.
O tom das cartas ainda é o de brincadeiras entre estudantes. Em uma oportunidade, Drummond diz que está com "uma bruta inveja" do amigo, que vai paraninfar uma turma de normalistas no interior de Minas.
"Paraninfar uma turma de 22 normalistas, com direito a beijá-las todas! Será que você vai dar conta, Amorim? Não precisa de um suplente que se encarregue do serviço, esse doce e especializado serviço, enquanto você faz o discurso de praxe? Responde urgente, que esse trabalho me agrada!"

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