São Paulo, sábado, 5 de julho de 1997![]() |
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'Terra Papagallis' mescla conto de fadas e tratado
JORGE CALDEIRA
O Brasil é terra onde a fantasia se tornou componente essencial do cálculo realista. Para saciar nossa fome de origem, não é possível recorrer apenas ao documento, pedra lavrada do historiador. Os oucupantes originais da terra e os primeiros europeus que viveram com eles deixaram apenas levíssimos vestígios de sua passagem por este vale de lágrimas. O Bacharel de Cananéia foi um desses tipos. Seu nome aparece em frases perdidas de um ou outro capitão de navio, referências desairosas d'algum jesuíta, perdido entre os números de relatórios comerciais de escambo. Daí que sua trajetória só possa ser recomposta pelo delírio de uma pena disposta a grandes inversões, como apresentar o romance fantástico como uma obra destinada a "fartar a fome da mente com fatos verdadeiros que, por serem reais, nos apetecem mais a curiosidade que a mais fantástica das lendas". Nasce daí o jogo de inversões que encanta o leitor. A lenda descrita é material de alta verossimilhança, talvez mais real que aquilo que se aprende sobre o país nas escolas. No romance o Brasil recria o personagem, transformando um seminarista medieval em quase índio. De uma educação anterior sobra a retórica escolástica. Assim, o quase padre degredado se casa com muitas índias e aprende a comer seus adversários. Mas não perde a capacidade de buscar o bem, as elevadas lições, o tratamento cordial ao leitor. Um homem cordial como o brasileiro capaz de pôr fogo num índio, e se lamentar por tê-lo confundido com um mendigo, protestando ainda ter feito um gesto de pura inocência, apenas brincadeira como as dos anjos e crianças... O leitor embarca depressa no passeio pelo Brasil do paraíso, onde começa a acontecer algo que bem pode ser o pecado original. Mas um pecado gozoso, com o qual nos identificamos até hoje. Assim o que é literatura pode ser mito de fundação, o que parece delírio pode ser realismo. "Terra Papagallis" tem a graça do conto de fadas e as idéias de um tratado, tudo para glória do leitor. Livro: Terra Papagallis Autores: José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta Lançamento: Companhia das Letras Quanto: R$ 18,50 (200 págs.) Texto Anterior: Drummond invejava os farmacêuticos Próximo Texto: "Dicionário" perde cara de roteiro Índice |
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