São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997
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Lei do incentivo à bobagem

GILBERTO DIMENSTEIN

Germina entre as principais lideranças empresariais brasileiras uma fórmula para reduzir a miséria. Se sair do papel e, mais importante, for bem administrada, vai entrar no elenco dos grandes projetos sociais de nossa história.
Antenados com as tendências internacionais, exigindo trabalhadores cada vez mais qualificados, empresários se reúnem para discutir a melhoria da mão-de-obra -é, disparado, o principal desafio nacional.
Com o nível das escolas públicas, eles são obrigados a contratar empregados ignorantes e, por consequência, improdutivos. Só para comparar: de cada dez empregos gerados hoje nos EUA, pelo menos oito exigem curso superior; no Brasil, a maioria se enquadra, com boa vontade, na categoria dos semi-analfabetos, com quatro anos de escolaridade.
Tradução: perda de negócios. Diante dessa perspectiva, eles articulam movimento, a ser lançado em outubro, para aumentar a eficiência e drenar mais recursos para as salas de aulas, cenário dos seus futuros trabalhadores.
A fórmula que ganha adeptos é simples e genial.
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Empresários querem colocar a educação e as artes no mesmo plano: quem vai investir em escola pública teria desconto no Imposto de Renda.
Escolheria, portanto, entre dar todo seu imposto ao governo ou melhor a escola dos arredores de sua empresa. O que, de quebra, garantiria cobrança de qualidade.
Prevista para ser lançada no fórum organizado pela Gazeta Mercantil, reunindo 111 das principais lideranças empresariais brasileiras, a proposta tem o mérito de tentar corrigir uma injustiça estúpida.
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Se os artistas merecem auxílio oficial por meio de leis de patrocínio (nada contra, aliás), por que os estudantes da escola pública, muito mais vulneráveis, devem ficar de fora?
Vou além. Como colocar dinheiro em escola pública dá muito menos retorno de marketing e cobertura da imprensa do que em projetos culturais, o benefício fiscal deveria ser ainda maior.
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Perguntei na sexta-feira a opinião do ministro Paulo Renato de Souza sobre essa idéia ainda em gestação.
Sua resposta: "Desde que o poder público tenha condição de fiscalizar e o dinheiro vá apenas para escolas públicas, topo".
Óbvio que mesmo que ele tope, está armado foco de atrito com os ministérios econômicos, preocupados com a perda de arrecadação.
Daí se cria a seguinte situação: ou o governo aprova ou, por coerência, deveria atacar a lei Rouanet.
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Só não vejo como o presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiria argumentos para justificar ajuda dos empresários para as artes, recuando igualdade para as escolas públicas.
Pior ainda se tiver de justificar o cipoal de benefícios a grupos empresariais. Por que, por exemplo, empresas como Golden Cross, beneficiada com o rótulo de filantrópica, é isenta de pagar INSS?
Como está, é a lei do incentivo à injustiça.
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Se for aprovada, uma lei de patrocínio das escolas chega no momento certo. Cresce a adesão ao projeto de balanço social; as empresas teriam de informar publicamente quanto investem na melhoria de sua comunidade.
O cidadão tem, assim, mais um critério para escolher determinado produto.
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Esse balanço social vai revelar como muitas empresas do tipo Microsoft, Apple, Packard, Rebook, Coca-Cola, McDonald's, entre muitas outras, discriminam os brasileiros.
Elas se mostram muito mais envolvidas em projetos comunitários e educacionais nos EUA do que no Brasil.
Com o avanço social brasileiro, inevitavelmente terão de explicar essa diferença.
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PS - Exemplo de como o empresário pode ajudar sem gastar dinheiro.
Devidamente treinados, professores do Paraná começam a introduzir Internet em 33 escolas públicas no próximo mês.
Se a escola não tiver disponibilidade de linha telefônica ou poucos computadores, empresas das proximidades vão ser convidadas a integrar o projeto, cedendo as instalações, linhas e as máquinas em horários especificados.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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