São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997
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Baderna policial e mudanças

PAULO SÉRGIO PINHEIRO

A baderna da PM mineira clareia como holofote as gritantes condições salariais nas polícias militares e civis em todos os Estados.
Policiais jovens, com família, prole numerosa, obrigados a morar em favelas e habitações ilegais, mal formados, condenados a trabalhar como vigilantes particulares, no chamado "bico". No ano passado, a maioria dos soldados da PM paulista assassinados o foram nessas atividades de altíssimo risco.
Mais chocante é a disparidade entre esses salários de fome de soldados, cabos e sargentos e aqueles de oficiais, coronéis e delegados que ultrapassam os R$ 10 mil, chegando a haver centenas de aposentados com salários entre R$ 15 mil e R$ 30 mil. Enquanto nos EUA, no Canadá e na Europa Ocidental as diferenças entre os dois pólos das carreiras policiais ficam entre 5 e 6 vezes, aqui estão entre 15 e 25 vezes.
Menos do que em manifestações ou na organização sindical dos policiais, que é justa e que poderia canalizar reivindicações de forma ordenada, o maior problema está nos regulamentos internos caducos, dos tempos do Estado Novo, totalmente inadequados para funções de policiamento regular, como, aliás, já concluiu o secretário da Segurança Pública de São Paulo, que vai implantar um novo regulamento.
Não é por acaso que as polícias militares, tanto quanto as polícias civis, têm-se pautado pelo arbítrio e pela má qualidade dos serviços oferecidos à população. As polícias militares no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste muitas vezes comportam-se como forças de ocupação ou milícias auxiliares de jagunços, pagas pelo contribuinte.
As duas polícias, em todos os Estados, não cooperam entre si e se atropelam, às vezes aos tiros. Em São Paulo, por exemplo, a PM tem dois sistemas de comunicação, e a Polícia Civil, outro, sem que a central da PM e aquela da Polícia Civil conversem entre si. Apenas há pouco o gabinete do secretário da Segurança Pública, professor José Afonso da Silva, passou a ter acesso aos três sistemas.
Os policiais não dispõem em nenhum Estado de equipamento portátil individual para comunicação nem de coletes leves à prova de bala.
Não há coordenação de operações conjuntas por área, e, em todos os níveis de operação, a duplicidade de comando se repete. Falta controle de desempenho e de produtividade, a capacidade de recursos humanos e equipamentos existente é subutilizada, a avaliação do rendimento dos funcionários é precária, não tendo as promoções na carreira nada a ver com o desempenho efetivo dos policiais.
Inexistem sistemas de controle externo da sociedade civil (louve-se em São Paulo a recente oficialização da Ouvidoria para as duas polícias).
À falta de controle do uso de munições e armamento somam-se procedimentos que favorecem o uso de armas de fogo. A portaria ministerial nº 1.261, de 17/10/1980, definindo as normas que regulam a compra e venda de armas e munições por pessoas físicas e jurídicas, permite que cada oficial da PM seja proprietário de seis armas (duas armas de porte e quatro de caça), e os cabos e soldados, uma arma de porte (logo vendida para compensar o salário de fome).
Esse armamento é fornecido diretamente, em planos especiais de pagamento, pelos fabricantes aos funcionários: o Estado e o contribuinte brasileiro subvencionam, assim, os fabricantes de armas.
Há muitas propostas de mudança constitucional em debate. Um grupo de trabalho de avaliação do sistema de segurança pública, convocado pelo secretário nacional de Direitos Humanos, José Gregori, acaba de propor coleta de dados bimensais sobre as polícias; uma outra comissão, do governo de São Paulo, analisa reformas urgentes. Tudo é ótimo e promissor.
Mas, enquanto as reformas da Constituição não vêm -o que deve ocorrer no próximo século-, é necessário que os governos estaduais melhorem já as condições de remuneração da tropa e diminuam a disparidade entre os salários nas polícias, implementando mudanças emergenciais: melhor formação dos soldados, gerenciamento operacional, coordenação unificada dos comandos, aproximação da polícia com a comunidade. Caso contrário, além das badernas anunciadas, a epidemia de violência e insegurança prosseguirá, trincando implacavelmente a democracia.

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