São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997
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Férias-Mala

IZABELA MOI; LAVÍNIA FÁVERO

Na hora de arrumar a bagagem, inclua bom-humor e disposição e se preparepara o que pode vir por aí...
IZABELA MOI E LAVÍNIA FÁVERO
"Graças a Deus, acabaram as férias!" A exclamação, estranha para a maioria, vem de turistas que viram seus períodos de descanso transformados em epopéias nada recompensadoras.
Planejamento sempre ajuda, mas certos contratempos -e a desonestidade de algumas agências- escapam ao controle de quem viaja. Nesse início de férias, sem a intenção de ser estraga-prazeres, a Revista da Folha reuniu pedagógicos depoimentos de "turistas acidentados". Veja, nos desenhos que percorrem as páginas, dicas para evitar ciladas.
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O empresário Antônio Luís Salles Filho, 25, gastou US$ 2.400 na esperança de passar uns dias de sol à beira-mar com a namorada em Saint Martin, no Caribe. O clima da viagem, no entanto, não teve nada de paradisíaco.
No terceiro dia, a ilha foi atingida pelo furacão "Luis". Salles e outros 220 brasileiros tiveram de colocar seus colchões em frente às janelas e dormiram nos estrados das camas.
No dia seguinte, o tempo piorou, e eles foram trancados em um quarto de vídeo. "Ficamos, cerca de mil pessoas, num espaço de uns 100 m2, sem janelas, durante 30 horas. A água e a comida eram racionadas. Parecia um campo de concentração", lembra.
Na hora de comer, as pessoas ficavam duas horas e meia na fila, recebiam um pouco de pão e macarrão e um copo de água. "Os responsáveis carimbavam a nossa mão quando recebíamos a ração para ninguém repetir", conta Salles.
A ilha já tinha sido evacuada, porque o ataque do furacão estava previsto. Mas os brasileiros não tinham sido avisados. As agências que venderam os pacotes não informaram sobre a tragédia iminente. Salles ficou sabendo do fenômeno quando foi alugar um jet-ski, e o funcionário do hotel respondeu: "Não vai haver jet-ski, nem turistas na praia. Estamos recolhendo tudo por causa do furacão."
Com ventos de mais de 300 km por hora, o telhado e os andares de cima do hotel desabaram. "O hotel parecia um trem em movimento, de tanto que tremia. No quartinho, a fuligem do concreto caía sobre nossas cabeças. Como o hotel era perto do aeroporto, todos os vidros eram blindados. Eles pareciam bolhas de plástico, por causa da vibração do vento."
Salles também conta que, de uma hora para outra, o elevador começou a funcionar. "Não contive a curiosidade e subi até o último andar do hotel. Tive de fechar as portas do elevador com os pés e as mãos, de tão forte que era o vento." A imprevidência do empresário, contudo, teve um resultado positivo: "Ainda havia 15 pessoas lá em cima, que eu consegui levar para o quarto de vídeo."
Na volta, Salles e os outros brasileiros acionaram a agência que vendeu o pacote, mas, até hoje, não tiveram retorno. "A companhia faliu um ano depois, em 1996. Garanto que o dono está em Boca Ratón, curtindo a vida com o nosso dinheiro", brinca.
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O casal Regina Maluf, 54, e Itamar Bertolozzi, 57, não fazia uma grande viagem havia muito tempo. Em abril passado, Regina resolveu enfrentar o medo de avião para curtir uma temporada em Cancún (México) com o marido.
A partida estava marcada para 10h. Já na sala de embarque, eles foram informados de que o avião atrasaria por causa de "problemas na porta do bagageiro".
O aviso causou revolta nos 190 passageiros e pânico em Regina, que lembrou-se do medo de avião.
Aos poucos, a companhia aérea informava que o atraso seria maior do que se pensara no início. Às 16h, Bertolozzi, irritado, subiu em uma mesa, convocando os passageiros a pedirem a devolução do dinheiro das passagens.
Foi quase uma revolução. Todos subiam nas mesas e gritavam. Regina queria se esconder no banheiro, mas acabou ligando para a filha Cláudia.
Sabendo da situação dos pais, Cláudia ligou para o "programa do Ratinho" (190 Urgente, no canal de televisão CNT). A denúncia foi ao ar.
A companhia aérea ameaçava os passageiros com a perda das passagens, caso alguém saísse da sala de embarque. A polícia chegou, e o avião ficou pronto às 18h -após oito horas de espera.
"Só embarcamos às 19h30. Estávamos exaustos. Eles pagaram U$ 250 de indenização para cada passageiro, mas preferíamos ter embarcado no horário. Eu quase desisti de ir", lembra Regina.
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Ficar em uma mansão na Turquia, com helicópteros à disposição e jantares servidos à francesa é uma convidativa opção para um final de semana.
A estudante Diana Tavares, 25, recebeu um convite desses de uma amiga quando morava na Suíça. Quando chegou a Istambul, Diana e sua irmã Denise descobriram que suas malas haviam sido perdidas. Dinheiro até que não era problema, mas o comércio, por ser final de semana, estava fechado.
A solução foi comprar roupas nas lojas de souvenirs. "Foi muito chato, todo mundo superchique e nós com camisetas escritas 'I love Istambul' e shorts floreados", conta Diana.
Por sorte, a família era chique, mas não esnobe. As duas ainda voltaram várias vezes à Turquia.
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Há cinco anos, quando a professora de inglês e francês Cláudia Arantes, 28, resolveu passar o Carnaval em Porto Seguro (BA) com mais nove amigas decidiu que seria mais prático alugar uma casa em vez de ficar em um hotel.
Para evitar ciladas, procurou uma agência indicada pelo pai de uma de suas amigas. O grupo alugou -e pagou adiantado- uma casa com quatro quartos por 18 dias.
Chegando lá, Cláudia e as amigas encontraram um imóvel bem diferente do que tinham visto nas fotos. "Era uma casa pequena, com gente morando, não tinha nada a ver com o que tínhamos alugado", conta Cláudia. A experiência só não se transformou em catástrofe porque faltava uma semana para o Carnaval e ainda restavam alguns lugares vagos.
"Como tínhamos gasto no aluguel anterior, acabamos pegando uma casa bem pior, só com dois quartos. O dono nos emprestou uns colchões, que colocamos até na sala. O pior foi o banheiro. Imagine dez mulheres de cabelo comprido dividindo o único banheiro da casa!"
Na volta, elas descobriram que o "agente de confiança" estava falido e tinha fugido. Acionaram a Embratur, fizeram com que ele perdesse sua licença para ter uma agência, mas nunca conseguiram o dinheiro de volta.
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A diagramadora Leidivânia Queiroz Fernandes, 25, e a estudante Rosângela Ponzio, 20, compraram em uma agência um pacote de uma semana em Porto Seguro (BA).
Quando chegaram ao hotel, o gerente comunicou, sorridente, "que elas estavam com sorte: apesar de não terem reserva, ele arrumaria um quarto". "Fiquei espantada, porque já tínhamos pago a hospedagem", lembra Leidivânia.
Mesmo assim, ela não reclamou. Nem a localização do hotel -a mais de 10 km do centro da cidade, em uma área escura e deserta- conseguiu tirá-la do sério. "Quando comprei o pacote, disse que fazia questão de que o hotel fosse perto de tudo", conta.
Na noite da chegada, alguém da agência veio avisá-las de que fariam um "tour by night" às 22h. Logo na saída, o guia avisou que voltaria para buscá-las às 23h. Leidivânia diz que estranhou o período tão curto para o passeio, mas, no horário marcado, estavam à espera. Ninguém apareceu para buscá-las. "Esperamos mais de uma hora e resolvemos pegar um táxi", diz.
O "city tour", prometido no folheto de propaganda, também não aconteceu. "Foi uma péssima experiência. Voltamos com a sensação de não termos conhecido Porto Seguro", diz.
Na volta, entraram com uma queixa formal no Procon e ainda esperam ser indenizadas.
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A tabeliã gaúcha Giselda Pech, 37, foi passar o Natal em Santa Catarina há dois anos. Na terça, dia da volta, Giselda e mais duas amigas saíram cedo para evitar o trânsito porque estava chovendo.
Pelo rádio e pela televisão, ficaram sabendo que havia um desvio na estrada. Tomaram esse caminho, mas, quando chegaram, viram que também estava trancado. Voltaram, então, para a BR-101 e tentaram seguir viagem.
Quando chegaram perto de Araranguá (SC), não dava para prosseguir. A estrada estava sem luz e tudo o que havia por perto eram dois postos de gasolina -lotados de famílias que tentavam voltar para casa.
Giselda e suas amigas tiveram de dormir no carro. Para entrar um pouco de ar, deixaram uma fresta de 1 cm aberta em cada janela, mas, mesmo assim, a chuva entrava.
No outro dia, pela manhã, Giselda foi procurar um lugar onde parar. Encontraram uma praia a 10 km dali, Rincão, onde finalmente puderam comer e dormir um pouco. De lá, avisou os colegas de que não poderia trabalhar no dia seguinte porque estava presa na enchente.
Depois de descobrirem um novo caminho, voltaram à estrada, ainda sob chuva. Quando chegaram ao lugar indicado, souberam que -havia apenas meia hora- uma barreira tinha caído.
Tiveram de voltar para a pousada em Rincão. Com a ajuda de alguns amigos, colocaram seus nomes na lista de espera de um vôo Florianópolis-Porto Alegre.
No outro dia, seguiram até Florianópolis, onde tiveram de fazer vários desvios para chegar ao aeroporto. O carro de Giselda ficou no aeroporto -ela pagou 15 dias de estacionamento- até conseguir um carro emprestado para ir buscar o seu.
"Fiquei um ano e meio sem poder olhar para um queijo-quente, porque foi só o que a gente conseguiu encontrar para comer nesses dias", conta Giselda.
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A cineasta Sandra Hedgus, 32, vive em Paris e veio passar uma semana com a família. O bilhete de volta estava marcado para segunda-feira passada.
Quando ligou para o aeroporto para confirmar o horário do check-in, às 8h30, descobriu que o vôo seria cancelado -mas ninguém explicou porquê. A partida do vôo foi transferida para o dia seguinte, às 7h20.
Sandra desanimou-se. Além de ter de adiar os compromissos, esperou sete horas numa sala vip no aeroporto de Roma para pegar o vôo para Paris. A conexão original seria imediata. "Não adianta planejar", diz.
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Em raríssimas ocasiões -e com muito bom humor-, as intempéries de uma viagem podem trazer vantagens.
As amigas Celeste Parra (publicitária), 22, e Gabriela Pereira (administradora de empresas), 22, tinham reservado um cruzeiro pelo Caribe em janeiro deste ano. A partida estava programada para meia-noite, mas, às 23h, o check-in ainda não havia começado.
Celeste disse que só ficou sabendo que não embarcaria às 3h por causa de 'overbooking' (excesso de passageiros). A maioria das pessoas optou por viajar no dia seguinte, num vôo que fazia escala em Miami com destino a Aruba.
"Só conseguimos lugar no cruzeiro duas semanas depois", conta Celeste. A companhia aérea, pelo transtorno causado, ofereceu dois lugares na primeira classe do avião, sem acréscimo.
Quando chegaram ao navio, encontraram uma surpresa na cabine. "Havia uma cama de casal, champanha, uma cesta com uvas e chocolates e um cartão assinado pelo capitão do navio desejando ao 'Sr. e Sra. Pereira uma feliz lua-de-mel"', lembra Celeste.
As duas só descobriram o engano depois: alguns casais em lua-de-mel também tinham perdido o cruzeiro. Elas decidiram não desfazer o engano. Receberam durante toda a viagem cartões com votos da tripulação para um feliz casamento e convites para a cerimônia de reconfirmação dos votos, na capela do navio.

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