São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 1997
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Um regime cambial condenado

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A crise cambial da Tailândia reforça a tese de que o tipo de regime cambial adotado pelo Brasil será cada vez mais difícil de sustentar indefinidamente. Constitui mais um indício do caráter problemático da trajetória que vem sendo seguida pela política econômica brasileira nos anos recentes.
Os pontos de contato entre a situação da Tailândia e a do Brasil são conhecidos: valorização cambial, déficits elevados no balanço de pagamentos em conta corrente, dependência excessiva em relação a capitais externos, dívidas externas significativas no setor privado e, em especial, a adoção de um regime de câmbio fixo ou semifixo ajustável.
Até a semana passada, a Tailândia vinha aplicando um sistema de bandas cambiais estreitas, no qual o valor do baht era fixado com referência a uma cesta de moedas dominada pelo dólar dos EUA. A taxa de câmbio do baht era anunciada diariamente por um Fundo de Estabilização Cambial, que se dispunha a comprar e vender dólares a taxas preestabelecidas.
A política monetária apertada, que vinha sendo seguida pelo banco central da Tailândia para defender esse regime cambial, estava provocando problemas internos crescentes, entre os quais uma desaceleração acentuada do crescimento econômico e uma desestabilização das instituições financeiras domésticas.
Como explicou o Banco da Tailândia, em comunicado divulgado quando da mudança do regime cambial, no dia 2 de julho, o clamor pelo relaxamento da política monetária estimulou especulações de que "a política cambial poderia ser ajustada para permitir reduções nas taxas de juro".
Nos últimos meses, a Tailândia perdeu parte expressiva das suas reservas internacionais na tentativa de defender o baht. Em maio, um porta-voz do governo declarou que a decisão era "lutar até a morte" contra o ataque especulativo. Entretanto, a arma mais eficaz de que poderia dispor o Banco da Tailândia nessa guerra -a elevação das taxas de juro- era justamente a que a economia tailandesa menos poderia suportar na atual conjuntura.
Foi nesse contexto que se decidiu deixar o câmbio flutuar, provocando depreciação inicial de cerca de 20% do baht em relação ao dólar. O valor externo da moeda tailandesa não será mais fixado pelo banco central, que se limitará a intervir ocasionalmente nos mercados de câmbio "para alcançar objetivos de política e impedir flutuações excessivas", de acordo com o comunicado já citado. Segundo o Banco da Tailândia, "a prazo mais longo, esse sistema de flutuação administrada permitirá que as autoridades implementem uma política monetária consistente com objetivos domésticos".
A Tailândia é, portanto, mais um país que opta pela flutuação cambial administrada, o regime adotado pelos países desenvolvidos desde o início dos anos 70 e, mais recentemente, por um número crescente de países em desenvolvimento. Essa tendência não é casual. Nas décadas recentes, a remoção de controles sobre os movimentos de capital, o rápido progresso tecnológico em computação e telecomunicações e a diversificação crescentes dos instrumentos financeiros produziram ampliação extraordinária dos fluxos financeiros internacionais.
Em consequência, tornou-se muito mais difícil sustentar regimes cambiais que se caracterizam por "ancoragem" cambial ou pela fixação de metas cambiais explícitas, isto é, aqueles que estabelecem sistemas ajustáveis de câmbio fixo, prefixações ou bandas cambiais estreitas. Dada a desproporção entre os fluxos internacionais de capital e os fundos à disposição dos bancos centrais, a defesa desse tipo de regime acaba se revelando inviável.
Com poucas exceções, a flutuação administrada está em vias de se tornar a norma geral. Esse é o regime que melhor permite conciliar a internacionalização financeira com a indispensável preservação de margem de manobra nacional na condução das políticas monetárias e cambial.
O Brasil terá de fazer a transição para um regime de flutuação cambial administrada, mais cedo ou mais tarde. Esperemos que o faça de forma ordenada, e não em meio a uma crise como no México e na Tailândia.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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