São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Chemical Brothers mudam tudo

DUDU MAROTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os Chemical Brothers são realmente um luxo. Não bastasse terem mandado uma nova linguagem para a música pop nos seus dois discos, "Exist Planet Dust" e "Dig Your Own Hole", agora vão ao palco e lançam uma nova forma de entretenimento.
Rave ao vivo? Show de hardcore eletrônico? Parque temático tecno? Não sei. Mas o que vi semana passada em Paris mudou meu jeito de pensar música.
O show foi no Le Bataclan, casa noturna da Republique um pouco menor que o Tom Brasil. Chego no lugar às 19h, como me recomendaram. Entro e... pouca gente. Vários sentados no chão. Vem um som do próprio P.A. do show. Um som de sintetizador fazendo algo como ióoooun óuinn...
O som hipnótico evolui para uma bateria de hip hop bem leve. Vai chegando gente. A batida fica um pouco mais pesada. O que eram poucos sonzinhos começam a virar uma levada mais consistente. As pessoas começam a ficar em pé para caber mais gente. O primeiro andar, de camarotes abertos pra sentar, lota às 20h. A batida continua hip hop, vai trocando de sons e fica empolgante.
Todo mundo começa a se deixar levar sem perceber por esta verdadeira ambient music swingada.
O palco é estranho. Bem no meio, o que se destaca é a mesa de som de frente, aquela que controla todos os sons que a platéia vai ouvir e em todo show fica bem pra trás na platéia. Atrás dela, quatro estantes com teclados: uma de controladores e três só com analógicos anos 70. À direita, um rack com três samplers, um rack com o computador rítmico e um gravador de oito canais.
O volume das batidas aumenta. O povo todo dança o que já evoluiu para ambient-trip-hop. São 20h30, as luzes se apagam.
Entra um sample de uma cantora a capella com algo meio ininteligível. Ao mesmo tempo, num telão que surge do fundo do palco, palavras são projetadas sem nenhuma sequência lógica: work it, brothers, the, gonna.
Numa espécie de morph de som, a cantora em capella vai virando o sample superconhecido de "Leave Home": "the brothers gonna work it out".
Aos poucos entram um baixo distorcido, os sints e as batidas, muito mais hardcore que no disco. Entra a música e com ela entram Tom Rowlands e Ed Simons.
A luz do palco é toda sincronizada com o computador que coordena a música. Rowlands assume a mesa, Simons assume os teclados. O som explode hardcore. A luz e as projeções vão junto e o público pula, hipnotizado.
Percebo que as projeções vêm do andar dos camarotes, três projetores de slides. Na frente de cada lâmpada de projetor tem um ventilador rodando bem devagar. Desse jeito, as pás de cada ventilador fazem "piscar" cada lâmpada, aleatoriamente, gerando texturas e tremedeiras de cada uma das figuras no telão. Quando você pensa que é só isso, entram filmes que vêm de dois projetores de 16mm: figuras estranhas, palavras. O conceito de toda imagem é o mesmo do som. hardcore, hipnótico, repetição aleatória.
Ao contrário dos shows de rock de arena, a luz é extremamente simples, mas muito bem bolada. São seis varilights (a luz mais avançada e programável do mundo) de cima e de trás e um painel de strobos no chão, na frente do palco.
O detalhe é que como toda a programação foi feita com o computador que gera a música, o sincronismo entre porradas de som e de luz é simplesmente perfeito.
Como DJ ou cantor de banda, Rowlands comanda a massa mesmo. Como técnico de som, ele age como os técnicos jamaicanos de dub music nos anos 70, que criavam mixagens alternativas dos reggaes de sucesso só com os recursos de mesa.
Apesar de o show estar todo programado em computador, cada instrumento está num canal diferente da mesa. E a mesa, ao contrário do resto, não está programada. Assim, Rowlands vai fazendo uma mixagem da cabeça dele no momento em que está rolando os show. É como se um DJ pudesse mixar cada instrumento de uma música de acordo com a pista.
Como o público em Paris estava alucinado, Rowlands tacou pau e deixou tudo mais hardcore. Já quando o público cansa um pouco, ele muda tudo, abaixa o volume geral e deixa o som mais cool.
É demais ver como eles usam bem as batidas hip hop e Miami Bass (o funk do Rio de Janeiro), que dominam quase todo o show. Apenas uma música tem batida com bumbo em todos os tempos, mais como dance music.
Avanço tecnológico
O avanço dos CB não se restringe à linguagem do disco e do show. Eles também fazem suas músicas de um jeito diferente. Primeiro, trabalham numa sala no andar de cima do Orinoco Studios, zona sul de Londres, estúdio de primeira linha e também produtora bem avançada de música. Assim, recursos não faltam.
A base de toda a produção musical deles é a digitalização. Assim, pode-se manipular os sons como se manipulam as imagens em programas como o Photoshop. Mas fazer do Macintosh gravador de som todo mundo já faz. O passo além dos CB é a utilização de um programa que já está no mercado há dois anos e ninguém sabia direito como usar até agora.
O programa é capaz de copiar o swing, ou seja: o jeito de tocar de uma batida existente, sem precisar copiar o som, e aplicar esse swing na batida que você está programando ou tenha você mesmo tocado e digitalizado. Isso parece bem complicado, mas não é.
Um exemplo prático seria tocar e gravar no computador um violão bossa nova. Aí, se você achar um disco do João Gilberto em que ele toque violão limpinho, sem outros instrumentos, você pede para o programa copiar o swing da batida de violão do João Gilberto e aplicar na sua batida de violão.
É ritmo, não passível de direito autoral. Todo o direito autoral de música é baseado em melodia e harmonia, senão poderia haver direitos autorais sobre o ritmo bossa nova, samba, hip hop ou tecno.
Assim, fica claro por que a batida de "Setting Sun", dos CB, parece tanto com a de "Tomorrow Never Knows", dos Beatles, mas com uma sonoridade totalmente diferente. Eles pegaram o swing da batida tocada por Ringo Starr e readequaram o swing das batidas que eles mesmos tinham tocado. O que é a eletricidade, não?

Texto Anterior: NOITE ILUSTRADA
Próximo Texto: Budd Schulberg, um rosto na multidão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.