São Paulo, sexta-feira, 11 de julho de 1997
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Budd Schulberg, um rosto na multidão

EDOUARD WAINTROP
DO "LIBÉRATION", EM LONG ISLAND

Budd Schulberg é uma lenda que anda esquecida demais. Nasceu em 1914 em Nova York, mas foi criado em Hollywood, onde seu pai, B.P. Schulberg, foi um dos fundadores da Paramount.
Tornou-se roteirista aos 19 anos e, em 1941, chamou a atenção dos críticos ao publicar o romance "Qu'est-ce Qui Fait Courir Sammy?", uma sátira aos costumes de Hollywood.
Passou a Segunda Guerra Mundial na unidade documentária de John Ford e, em 1946, montou o dossiê fotográfico do processo de Nurembergue.
Em 1951, prestou depoimento "amigável" perante o Comitê de Atividades Antiamericanas sobre sua filiação ao Partido Comunista nos anos 30 e denunciou nomes de militantes e simpatizantes.
Também nessa época, Schulberg passou a fazer a crônica do boxe. Seus artigos serão lançados na Inglaterra numa coletânea intitulada "Sparring with Hemingway".
Escreveu alguns de seus maiores roteiros, "Sindicato de Ladrões" e "Um Rosto na Multidão", para Elia Kazan, e "Jornada Tétrica", para Nicholas Ray.
Publicou romances, entre os quais "Le Desenchanté" (inspirado em seu convívio com Scott Fitzgerald), "Plus Dure Sera la Chute", sobre as mazelas do boxe (com o qual Mark Robson fez um filme com Humphrey Bogart) e novelas, como "Amour, Action, Rires, e Autres Contes Tristes".
Hoje Budd Schulberg vive com sua quarta mulher e seus dois filhos menores em Long Island, numa casa repleta de livros, cartazes e fotos de grandes pugilistas que admirava.
*
Pergunta - Por que o senhor, um verdadeiro filho de Hollywood, escolheu escrever em lugar de dirigir filmes?
Budd Schulberg - Justamente porque eu conhecia Hollywood tão bem. Foi meu pai quem descobriu Cary Grant e Gary Cooper, quem deu trabalho a Marlene Dietrich, Sternberg, Mamoulina.
Eu via como eram as coisas. Os roteiristas ocupavam o último escalão -eram mal pagos e viam seus textos sendo reescritos.
Pergunta - O senhor fez sucesso já com seu primeiro romance, "Qu'est-ce Qui Fait Courir Sammy"?
Schulberg - O sucesso de crítica e de público me pegou de surpresa -e a meu editor, ainda mais. Ele achava que romances sobre Hollywood não venderiam, porque as pessoas que gostavam de ler não ligavam para Hollywood, e as que gostavam de cinema não liam.
Pergunta - Antes de escrever o livro, o senhor trabalhou num roteiro com F. Scott Fitzgerald.
Schulberg - Sim, o roteiro de "Winter Carnival". Foi uma tortura para ele. Quanto a mim, deu-me o material para um romance, "Le Desenchanté". Sempre tive enorme simpatia e admiração por Fitzgerald.
Eu tinha lido tudo dele e partiu meu coração vê-lo em Hollywood, esquecido, desesperado. Seus livros não eram reeditados, nem mesmo "O Grande Gatsby". Ele morava numa pensão deprimente.
Quando o vi pela última vez, estava trabalhando sobre "Le Dernier Nabab", deitado na cama. Ainda era jovem, apenas 44 anos, mas parecia muito velho, esgotado.
Pergunta - O senhor teve outras amizades literárias?
Schulberg - Fui muito amigo de John O'Hara, que foi padrinho de um de meus filhos. Também gostava de Norman Mailer, se bem que vivíamos discutindo por causa das lutas de boxe que assistíamos.
Conheci Dorothy Parker também, trabalhei com ela na primeira versão de "A Star Is Born". Mais tarde, conheci Ernest Hemingway, mas o achei insuportável. Todos nossos amigos nos diziam que tínhamos tudo para sermos amigos -ambos gostávamos de boxe, pesca, países latinos. Mas nunca nos demos bem. Ele era arrogante demais.
Pergunta - Como o senhor conheceu Elia Kazan?
Schulberg - Eu o vi no palco nos anos 30, quando integrava o Group Theater, em Nova York. Ele estava trabalhando em "Waiting for Lefty", de Clifford Odets. Era um ótimo ator.
Voltei a vê-lo nos anos 50. Ele queria que eu escrevesse um roteiro para ele. Começamos a trabalhar em cima de "Sindicato de Ladrões". Queríamos fazer um filme social. Fiz uma pesquisa grande sobre o porto de Nova York. Conversei com os estivadores, fiz muitas anotações. Kazan adorou o roteiro.
Pergunta - "Sindicato de Ladrões", que conta como um estivador acaba denunciando dirigentes sindicais mafiosos à Justiça, foi interpretado como sendo sua justificativa -e de Elia Kazan- por terem entregue nomes ao Comitê de Atividades Antiamericanas.
Schulberg - É uma análise idiota. Se passei meses pesquisando o porto, não foi para justificar meu depoimento, mas para denunciar o que acontecia no cais: o domínio da Máfia sobre o sindicato era real, o medo dos estivadores, também.
Posso lhe garantir que Kazan nunca me procurou pedindo para fazer um filme que fizesse a apologia do que fizemos.

Tradução Clara Allain

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