São Paulo, sábado, 12 de julho de 1997
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Comediantes de 'Burguês' celebram arte de Molière

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

É certamente possível identificar, em meio aos cortes de personagens, à fusão de outros, aos enxertos de textos vários, a comédia de costumes -talvez a mais popular de Molière- "O Burguês Fidalgo", de 1671.
Não é Molière como ele escreveu, até porque, mais do que adaptação, trata-se de tradução difícil. Mas é sobretudo no palco, na atuação, que está presente o comediógrafo e sua arte. Estão ali três comediantes à altura do autor, também ele ator cômico.
Como protagonista, no papel do burguês fidalgo Jourdain, de "Burguês Ridículo", personagem que foi do próprio Molière, está o grande Marco Nanini. Foi ele o motor do espetáculo, quem convenceu Guel Arraes a adaptar e dirigir, ao lado de João Falcão.
Escolheu seu papel na medida. Grandalhão, de comicidade larga nas feições, no andar, Nanini tira imenso proveito físico das "aulas" de fidalguia, dos esquetes tão celebrados -ainda que tão reduzidos.
Suas caretas, que lembram muito d. João 6º, seu personagem e uma das melhores coisas do filme "Carlota Joaquina", são prazer à parte. Arrancam riso do espectador mais reativo. É um primeiro ator em cena, um Kean, ninguém mais vai questionar. Toma a si a peça e leva o público.
A interpretação é antinaturalista, excessiva, desatenta à coerência. Fantasia -como Molière, no texto, fantasiou sobre a base da comédia de costumes. Vem dele próprio tal interpretação, vista em peças como "Irma Vap" e aqui realçada por maquiagem, figurinos.
Mas ele parece estar também, de certa forma, influenciado por Ary França, inesquecível em outro Molière, "O Doente Imaginário". O comediante alcançava na peça momentos de genialidade, antes inspirado por Molière do que obediente a seu texto; vencia o limite do ridículo, no que parece ser também o alvo desta montagem.
Agora como conde Dorante -mais um ou outro personagem agregado-, Ary França nem se descontrola tanto. Está mais irônico, talvez cerebral e amadurecido, mas mantendo-se distante do naturalismo, chegando mesmo a brincar, já para o final, mudando e contrastando estilos.
Quem verdadeiramente perde o controle, passa o limite do ridículo e empolga a ponto de emocionar é Betty Goffman, que faz a criada Nicole. A atriz é pouco conhecida nos palcos paulistanos, a não ser por poucas passagens, como em "Viagem ao Centro da Terra".
Era lembrado o seu talento, mas neste novo espetáculo ela se mostra superior, única. Está magra, olhos grandes no rosto fino, cobre-se de um figurino desajeitado, próprio do papel. Torce a voz, busca o extremo cômico em cada palavra, chega a se jogar histericamente no chão.
Em montagem que se esperava mais fantasiosa na "mise-en-scène", são os três o espetáculo.

Peça: O Burguês Ridículo
Autor: Molière Direção: Guel Arraes e João Falcão
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 011/258-3616)
Quando: sex e sáb, às 21h; dom, às 18h
Quanto: R$ 25

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