São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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O Brasil fica mais vulnerável

CELSO PINTO

O colapso sucessivo das moedas da República Tcheca, Tailândia, Filipinas e Indonésia deixou o Brasil numa posição desconfortável em relação às suas contas externas. Só dois países em desenvolvimento com déficits em conta corrente superiores aos do Brasil neste ano ainda não sucumbiram: Malásia e Peru.
Todos os outros, entre 29 países em desenvolvimento listados pelo banco americano JP Morgan, deverão ter neste ano déficits externos inferiores ao déficit de 4,5% do PIB previsto para o Brasil.
No último ano e meio, a equipe econômica brasileira insistiu que, como tantos países emergentes, a começar pelos tigres asiáticos, sustentaram por muitos anos déficits superiores a 4% do PIB sem problemas, essa era a prova de que não havia risco para o Brasil. O argumento, hoje, virou de cabeça para baixo: o fato de tantos países com altos déficits, inclusive os tigres asiáticos, terem sido obrigados a mudar sua política cambial é um alerta para o Brasil.
A crise da sexta-feira, que envolveu Filipinas e Indonésia, pouco depois da desvalorização da moeda tailandesa, finalmente despertou o mercado brasileiro para o óbvio, fazendo a bolsa cair e os mercados futuros subirem. "Não vemos mudanças abruptas no Brasil, mas aumentou a vulnerabilidade dos países com déficits em conta corrente elevados", define Marcelo Carvalho, economista do Morgan no Brasil.
Os dois trunfos de que o Brasil dispõe, a seu ver, são o volume de investimentos diretos e o número de empresas importantes privatizáveis. As reservas de US$ 60 bilhões ajudam, mas não são mágicas. Nas contas do Morgan, a dívida de curto prazo mais as amortizações no ano equivalem a 1,2 vez o total das reservas. Quer dizer, num cenário adverso, elas podem virar pó.
O mercado internacional continua com dinheiro sobrando e taxas de juros baixas nos Estados Unidos e Japão, o que tem ajudado a diluir o impacto da crise monetária asiática. Se a situação mudar, o quadro se complicará. "O mercado continua a dar dinheiro ao Brasil, na expectativa de que outros continuarão dando dinheiro no futuro, da mesma forma que ao México antes de 94", observa o diretor de um banco americano em Nova York.
Isso não quer dizer que será inevitável um ataque especulativo contra a moeda brasileira. O risco, contudo, aumentou. O que o Brasil tem em comum com outros países que sofreram colapsos é uma moeda claramente sobrevalorizada e déficits externos altos e crescentes. Em vários aspectos, Tailândia, Filipinas e Indonésia tinham, antes da crise, indicadores bem melhores que os do Brasil: equilíbrio fiscal, taxas muito elevadas de crescimento e exportações expressivas.
Embora a dívida externa brasileira em relação ao PIB seja menor do que a desses países, dois indicadores da capacidade de pagamento são muito piores: as relações dívida externa/exportações e serviço da dívida/exportações. Nos dois casos, os indicadores brasileiros são de duas a três vezes piores do que os dos três países asiáticos.
Tailândia e Filipinas foram obrigados a deixar suas moedas flutuarem livremente, a exemplo do México e da República Tcheca. No caso da Indonésia, a decisão foi de ampliar a banda de flutuação do câmbio de 8% para 12%, um parente próximo da livre flutuação.
A Tailândia e a República Tcheca tinham déficits externos altíssimos, comparáveis aos do México em 94, perto de 8% do PIB. Nas Filipinas, contudo, o déficit foi de 3,5% do PIB no ano passado, e na Indonésia, de 3,3% -em ambos os casos, inferiores ao do Brasil neste ano.
Câmbios fixos ou atrelados a um indicador, como é o caso do Brasil, costumam ser defendidos pelos bancos centrais com o uso das reservas e pelo aumento dos juros. Quando os mercados se convencem de que a situação da moeda é insustentável, passam a vendê-las pesadamente nos mercados futuros. Como nessas operações só se desembolsa uma fração do total das posições, a capacidade de alavancagem na aposta contra a moeda local é enorme. Proibições formais contra essas operações são inúteis, como mostrou o caso da Tailândia.
No final das contas, o banco central acaba perdendo bilhões de dólares, que se transformam em lucro para os especuladores quando a moeda sucumbe. Calcula-se que o mercado mundial de câmbio gira US$ 1,4 trilhão por dia. Um valor capaz de engolir qualquer banco central no mundo.

E-maill: CelPinto@uol.com.br

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