São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Quo Vadis

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Soho, em Londres, é uma área próxima ao Picadilly Circus, que reúne italianos e orientais. Dizem que o nome vem de um grito que iniciava as caçadas que dali partiam.
Foi uma área elegante. Hoje é um fervilhante mix de restaurantes, cafés, street fashion, drag queens, drogados, desempregados, artistas e, apesar das restrições, casas de sexo explícito e prostituição.
No meio desse caldeirão multicultural há uma rua chamada Dean street. Nela, fixada ao muro de um casarão, uma placa informa: ali morou Karl Marx. Não bastasse a ironia -a placa compondo o mosaico da cena urbana pós-moderna-, na velha casa funciona hoje um restaurante. O nome: "Quo Vadis".
Quando Marx morava no Soho, a Inglaterra era um modelo para suas teses. Ali, o capitalismo industrial iniciara sua aventura, gerando uma classe proletária que portaria o futuro da humanidade.
O desenvolvimento contraditório do novo modo de produção levaria a uma ruptura. Os operários, guiados pelos ideais socialistas, instaurariam sua ditadura e a seguir promoveriam o paraíso terrestre -a sociedade sem classes, cujo desenvolvimento técnico e gestão social permitiriam, finalmente, ao ser humano livrar-se da alienação do trabalho e dispor de seu tempo de forma mais criativa.
Como se sabe, nada disso aconteceu. A primeira revolução socialista ocorreu fora da esfera do capitalismo avançado, espalhou-se pelo Terceiro Mundo e acabou revelando-se um modo autoritário de transição de países atrasados para... o capitalismo.
Mas a idéia de que no futuro a técnica daria ao homem mais tempo, liberando-o da produção, está em curso.
A multidão, porém, que se vê livre das tarefas produtivas, no sistema atual, não pesca nem escreve crítica, como Marx gostaria. Desespera-se.
A grande questão de nosso tempo é essa: o futuro do trabalho. O que fazer com os desempregados e "inempregáveis" que a nova economia produz?
A esquerda reage automaticamente em defesa do emprego. Esquece, contudo, que no próprio horizonte marxista o trabalho não é um valor eterno -muito menos o trabalho mecânico e alienado do capitalismo industrial.
Como já observou o colunista Marcelo Coelho, a nostalgia do trabalho embute uma nostalgia da exploração, do sofrimento, da alienação.
É compreensível que a reação imediata seja proteger o ganha-pão, mas o futuro exige soluções mais ousadas.
Em outro caso, o que virá? A guerra? O extermínio?
Portanto, excluídos de todo o mundo: uni-vos, não tendes nada a perder...

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