São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Voando baixo do México a Bancoc

LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO

Foi reiniciada a temporada de caça às moedas sobrevalorizadas. A coroa tcheca, o baht tailandês e o peso filipino já foram abatidos. O "Financial Times" informa que estão sob a alça de mira dos "especuladores" o rand sul-africano, o zloty polonês, o ringgit malaio e, pasmem os leitores, o forte e inexpugnável real brasileiro.
A nota do jornal britânico, um dos principais arautos das virtudes dos mercados globalizados, aponta as causas dos "ataques especulativos": de um lado, a sobrevalorização das indigitadas moedas, causadora de trajetórias perigosamente ascendentes dos déficits em transações correntes; de outra parte, a perspectiva de elevação dos juros nos Estados Unidos e no Japão.
Essa interpretação padronizada das crises cambiais e monetárias dos chamados países ou mercados emergentes revela o contingente mas esconde o essencial. A onda de valorização das moedas de menor ou mesmo de baixa reputação foi concomitante ao renascimento dos fluxos de capitais privados, canalizados por intermédio dos novos mercados "securitizados" para as praças da periferia capitalista.
Como já foi sugerido nesta coluna, o fator decisivo para esse influxo de capitais foi sem dúvida a deflação da riqueza mobiliária e imobiliária, observada nos países desenvolvidos, entre o final dos anos 80 e os primeiros anos da década de 90. Essa crise foi administrada por uma decidida ação de "última instância" dos bancos centrais, que promoveram fortes reduções das taxas de juros, sobretudo no Japão e nos Estados Unidos, com o propósito de facilitar a digestão dos desequilíbrios patrimoniais e o alívio do serviço da dívida para as empresas, bancos e famílias.
Apesar da prosopopéia "reformista" do Consenso de Washington e de seus acólitos subdesenvolvidos, o movimento de capital obedeceu e vem obedecendo apenas e tão-somente a seus impulsos mais profundos, ou seja, "dinheiro caçando rendimento". Trocando em miúdos: os administradores de riqueza livre e líquida -fundos de pensão, fundos mútuos, hedge-funds- deslocaram uma fração marginal, mas crescente, desse capital flutuante para capturar pingues rendimentos em mercados que oferecessem taxas de juros mais elevadas ou apresentassem perspectivas de apetitosos ganhos de capital.
Dito de outra forma: ao estado quase depressivo dos mercados de "qualidade" e à situação de sobreliquidez (causada por um período de taxas de juros muito baixas) juntou-se a oportunidade, nos países emergentes, de comprar, na bacia das almas, ações depreciadas, empresas públicas quebradas, empresas privadas em dificuldades e ativos imobiliários convidativos. Toda essa pepineira de preços baixos estava, melhor ainda, denominada em moedas "desvalorizadas" pela inflação alta e prolongada dos anos 80. É dessa perspectiva que devem ser encarados os processos de privatização, levados a cabo "urbi et orbi" a pretexto de melhorar a eficiência dos setores submetidos ao controle do Estado.
O "choque de demanda" sobre esse conjunto de ativos provocou e vem provocando o surgimento de fenômenos inter-relacionados: "bolhas especulativas", sobrevalorização das moedas, explosão do consumo, déficits crescentes em transações correntes, desnacionalização e desindustrialização, endividamento em moeda estrangeira e fragilidade financeira.
Em algum momento, tornam-se negativas as antecipações quanto à evolução dos preços dos ativos ou à manutenção do diferencial de taxas de juros, precipitando as vendas em massa e provocando, simultaneamente, a liquidação de posições na moeda sobrevalorizada. Em geral, mas não necessariamente, essas antecipações negativas estão associadas a um comportamento imprudente do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos.
No caso da Tailândia, as bolhas especulativas formaram-se nos mercados imobiliários e nos mercados de ações que durante quase cinco anos, até o início de 1996, apresentaram taxas de capitalização invejáveis, alimentadas pela abundância e baixo preço da liquidez em iene. (Esse fator, aliás, também é, em parte, responsável pela "exuberância irracional" da Bolsa de Nova York.)
Não parece ser muito diferente a situação de alguns vizinhos da Tailândia, como Filipinas e Malásia, até outro dia incensados como a nova geração dos Tigres Asiáticos. Mas é claro que, a despeito da globalização dos mercados financeiros, ainda é grande a distância entre essas paragens e o nosso querido Brasil.

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