São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Trabalhador que custa barato sai caro

GILBERTO DIMENSTEIN

Desesperada atrás de engenheiros, uma empresa americana oferece tentadora proposta para preencher as vagas: viagem de uma semana ao Havaí, extensiva ao marido ou mulher, com todas as despesas pagas.
Fabricante de microprocessadores (o cérebro dos computadores), a Intel banca a viagem antes mesmo que o novo empregado comece a trabalhar. É uma espécie de férias antecipadas.
A empresa de telecomunicações Ameritech criou uma maneira também inusual de atrair mão-de-obra qualificada: recompensa com R$ 1.000 os funcionários que apresentarem um bom candidato.
Nunca os departamentos de recursos humanos tiveram de ser tão criativos para conseguir trabalhadores. Gerentes são disputados a tapa, passada a tormenta das guilhotinas criadas por uma moda que levou o nome de "reengenharia" -ainda na moda no Brasil, onde a ignorância costuma ter prazo maior de validade.
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Com um sabor de vingança aos tempos da guilhotina, editores e repórteres inundam a imprensa com histórias de privilégios conhecidos a altos executivos. E olhe lá; ninguém poderia imaginar que, durante o horário de trabalho, contratassem um massagista à disposição de costas e pescoços enrijecidos pelo trabalho massacrante na frente do computador.
Ou que fossem disseminados ginásios com sauna para o empregado manter a forma e reduzir o estresse, além de aulas de ioga e terapia.
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A IBM montou barracas nas praias, frequentadas por estudantes universitários, fazendo publicidade dos privilégios a seus profissionais.
Na disputa por cozinheiros, lojas da rede Mc Donald's prometem cursos de computação e Internet, organizados nas universidades.
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Traduzindo: o empregado não quer apenas salário ou benefícios sociais.
Exige um ambiente de trabalho estimulante, onde consiga se reciclar e ganhar novas habilidades. Por isso, o ano sabático -estudo remunerado- virou norma.
Há empresas que hoje dão dinheiro para o funcionário adotar uma criança; outras fazem programas especiais para mulheres na menopausa. Reuniões são marcadas no clube de golfe.
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O leitor certamente não está imaginando que um surto de generosidade se abateu sobre os empresários americanos. Seriam tolos?
Só pagam mais pelo simples motivo de que querem ganhar mais, recrutando mão-de-obra produtiva. Sabem que, com tamanha competição econômica, trabalhador mal remunerado e desestimulado custa caro.
No Brasil, não passa um dia sem que algum líder empresarial ou autoridade pública deixe de repetir justamente o contrário: a economia vai crescer quando o trabalhador custar menos.
Vou repetir uma obviedade que qualquer menino aqui do primeiro grau sabe: quanto mais sofisticado o processo produtivo, mais sofisticado deve ser o trabalhador.
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É incessante a necessidade de investimento em melhoria da qualificação profissional. A iniciativa privada já gasta por ano US$ 30 bilhões em programas de reciclagem de seus funcionários.
Sem contar programas como o "school-to-work" (da escola ao trabalho). Empresas abrem suas instalações a estudantes do segundo grau tomarem contato com tecnologia de ponta. Até porque, com a velocidade do processo de produção, os laboratórios escolares ficam rapidamente defasados.
Muitas empresas adotam escolas e montam os laboratórios para formar seus futuros trabalhadores.
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Reduzir o custo da mão-de-obra no Brasil é, simplesmente, a tentativa de aumentar a "produtividade" pela via mais desumana. E, para piorar, ineficiente.
Um dos graves problemas nacionais é que existe excesso de economista e carência de educadores orientando o debate nacional.
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PS - Na semana passada, expus aqui a idéia, articulada nos bastidores por empresários, de que deveríamos ter no Brasil uma lei de incentivo fiscal para quem investe em escola pública. A coluna motivou conversa telefônica com o chefe da Receita Federal, Everardo Maciel, um dos funcionários públicos mais sérios que conheço.
Ele passou dez minutos desmontando com argumentos inteligentes a idéia. Perguntei-lhe, então, como ele faria para levantar dinheiro se o país estivesse em guerra. Admitiu que a ignorância é tão ou mais destrutiva do que uma guerra. Ao final, porém, concordou que, se, de fato, a nação colocar a educação como prioridade e fiscalizar a aplicação de recursos, a idéia mereceria um "talvez".

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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