São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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Milímetros que salvam

Nem se quisesse, um habilidoso cirurgião conseguiria colocar um bisturi na mesma posição em que uma faca de cortar carne atingiu a cabeça do pintor Sidney Queiroz, 26, durante uma briga em um bar em outubro do ano passado.
"A profundidade da lâmina era de 4 cm e ficou a milímetros das principais artérias que nutrem o cérebro. A lâmina apenas seccionou a parte motora do tronco cerebral. É, sem dúvida, um caso inusitado", diz o neurocirurgião Luiz Alcides Manreza, do Hospital das Clínicas, que retirou a lâmina de 13 cm da cabeça de Queiroz.
O pintor ficou com a faca enfiada na cabeça durante 17 dias. A cirurgia, delicada, demorou oito horas.
O motivo da briga que terminou em facada foi R$ 5. Apesar de ser 7h, Queiroz passou em um bar, em Piedade (98 km de SP), para "tomar uma" antes de trabalhar. O "amigo" Vágner Rodrigues da Silva pediu-lhe R$ 5 emprestados, mas Queiroz não deu. "Como eu já tinha visto ele roubar um velhinho, disse que não tinha o dinheiro", conta.
Na hora de pagar a bebida, Queiroz fez "uma burrada": tirou uma nota de R$ 10, provocando a ira de Silva. "Ele tirou a faca da mão do dono do bar -que estava cortando limão- e, quando me virei, fui atingido."
O pintor não percebeu que a faca havia quebrado e que uma parte tinha entrado na sua cabeça. "Cai e dei duas cabeçadas no chão. Depois, só lembro da polícia me levando para o hospital."
Na Santa Casa de Piedade, foram dados apenas pontos no ferimento do nariz de Queiroz -não havia raio X. "Mas eu não conseguia sentir todo o lado direito do meu corpo", lembra.
No dia seguinte, em Sorocaba, os médicos descobriram a lâmina. "Fiquei nervoso. Sentia muita pressão na cabeça. Mas não achei que fosse morrer. Eu pensava: 'É ruim morrer. Vou aguentar'."
Como era um caso raro, Queiroz foi transferido para o Hospital das Clínicas (SP). Após a cirurgia, os médicos achavam que ele não voltaria a andar.
Na casa dos pais, em Piedade, ficou muito tempo na cama. "Não conseguia andar, comer sozinho e falar. Pensei até em me matar."
Queiroz não fez fisioterapia por falta de dinheiro, mas consegue falar e andar com dificuldade. "Estou mal porque não posso trabalhar", diz.
Antes do acidente, sua vida era bastante desregrada. Separado e com um filho de 7 anos, ele morava em um quartinho no fundo da casa dos pais. "Bebia, usava drogas, não dava valor à vida. Me metia em qualquer perigo. Hoje, não faço nada disso."
Não foi a primeira vez que Queiroz passou perto da morte. Aos 20 anos, em uma "brincadeira" de roleta russa, foi atingido por um tiro na perna. Há dois anos, caiu de um pé de abacateiro numa altura de 25 metros. Bateu as costas, mas se curou com um "tranco".

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