São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 1997
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"A pior droga é a ignorância"

A convite do Folhateen, os Planet Hemp Marcelo D2, Formigão, Bacalhau e Gustavo Black conversaram com leitores aqui na Folha, na tarde do último dia 5, sábado. Leia abaixo alguns dos melhores momentos desse encontro.

Wagner - Ontem, no Palace, havia 40 policiais fazendo a segurança. Vocês se sentiram superstars?
Marcelo D2 - A polícia não vai fazer mal pra ninguém. É muito melhor do que estar na favela matando os outros. Mas eu acho que a polícia tem coisa mais importante para fazer em uma metrópole como São Paulo do que prender guris de 15 a 20 anos que vão ao show de uma banda que pede a legalização da maconha.
R-Scott, 22 - Tenho vontade de ver o Planet Hemp na periferia, mano. Tem muita gente pobre que quer ouvir vocês, só que não tem condições de pagar 20 contos.
Marcelo D2 - A gente tocou em São Paulo várias vezes nesse esquema, há três anos. Hoje é mais difícil porque o mercado da música tem muito neguinho que quer ganhar dinheiro a tua custa.
Iara, 18 - Qual foi a importância do Skunk na formação da banda?
Marcelo D2 - O Skunk é o Planet Hemp. O Planet começou de uma maneira que funciona até hoje. A "hemp family" também, a gente é muito camarada. O Skunk me apresentou ao Gustavo, ao Bacalhau, ao Formigão, ao Rappa. Além disso, ele conhecia muito de música. Ele quem teve essa idéia toda de "cara, você tem de escrever, vamos fazer uma banda". A gente queria fazer uma banda de rock, mas os dois não sabiam tocar, então fizemos uma de rap, que são dois vocais.
Iara, 18 - E por que essa mudança? O primeiro CD é muito mais porrada. O segundo está muito no estilinho Beastie Boys.
Marcelo D2 - Quando o Skunk morreu, a gente ia acabar a banda. A gente gravou o disco porque a gente queria registrar aquela coisa, que a gente achava muito rebelde. O Rafael compôs tudo. No disco novo, eu quis botar um outro lado meu. O Bacalhau quis botar um dele. O Gustavo entrou compondo também. Não foi um disco como o primeiro, que foi só eu e o Rafael.
Maria Paula, 17 - A mudança tem a ver com o produtor de vocês, que é o mesmo dos Beastie Boys?
Marcelo D2 - Acho que nesse disco a gente dividiu mais as coisas, o outro era uma mistura geral. Nesse, a gente pegou assim: isso aqui vai ser funk, isso vai ser hardcore, isto vai ser rap. O Mário (Caldato Jr., produtor) influencia muito assim. Não existe meio termo pra ele: ou é funk ou não é.
Flávio Pereira da Silva, 18 - D2, falaram que a polícia rapou o seu cabelo porque você escondia bagulho dentro dele.
Marcelo D2 - É mentira! É mentira. Deu piolho, velho!
José Flávio - Até que ponto as bandas de rock dos anos 80 influenciaram vocês?
Marcelo D2 - Boa pergunta. Todo neguinho fala do rock anos 80 e aí só se lembra de Barão, Titãs. Existe um rock dos 80 muito bom, que influenciou a gente pra caramba. De Falla, Fellini, várias bandas. Eu acho que as duas bandas de rock que já existiram no Brasil foram o De Falla e os Mutantes.
Esteve, 20 - Vocês falam bastante do Rio. Vocês não têm medo de uma recepção negativa de outros Estados?
Marcelo D2 - A gente não é bairrista de jeito nenhum. As letras falam do Rio como poderiam estar falando de Nova York, se a gente tivesse nascido lá, ou de São Paulo. Falamos mais nesse disco porque a gente ficou muito tempo fora de casa. Em todo lugar, falam que o Rio é violento pra caramba. Eu falei "cara, vou passar minha visão nesse disco do Rio de Janeiro". O "Jornal Nacional" passa a visão dele, cada um passa a sua.
Jean, 21 - Há um ano, em Aracaju, rolou aquele auê de não deixar vocês tocarem por causa da maconha. Está rolando isso ainda?
Marcelo D2 - Tá cara, estamos proibidos de tocar em Salvador, em Brasília, em Vitória e em Curitiba. Isso deixa a gente puto da vida. Mas isso só prova que o trabalho da gente tá dando certo.
Jean - O B Negão saiu, e o Gustavo não tem vocal parecido com o dele. Todo mundo diz que está bem mais fraco. Como está a receptividade do público, Gustavo?
Marcelo D2 - Cara, lá em Fortaleza (CE) neguinho me tacou garrafa no palco. Um cara me perguntou na escada: "O B Negão vem?" Eu falei que não. Ele falou "porra, que merda". Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra, os estilos são completamente diferentes. O B Negão escolheu fazer o projeto dele, o Funk Fuckers, do caralho.
Gustavo - É isso aí.
Adriana - Fiquei sabendo por meio de jornal que recolheram os CDs, camisetas e os ingressos de vocês em Brasília. O que é que vocês acham dessa palhaçada?
Marcelo D2 - Eu estive há duas semanas com o Gabeira, exatamente conversando sobre isso. Eu pedi uma ajuda a ele, pela importância dele no Congresso. Eu acho que você, como cidadã brasileira, e eu, como cidadão brasileiro, a gente tem o direito de conversar sobre o assunto que quiser. A gente não faz apologia às drogas. Eu fumo maconha. Mas você tem de saber o que você está usando. Eu acho que a ilegalidade da maconha traz muita violência. O Gabeira prometeu que vai ajudar. A gente vai voltar nesses lugares. Se a maconha faz bem ou não, esse assunto já está superado. Morrem seis pessoas por causa do tráfico. Isso é muito mais importante.
Fernando, 18 - No processo de criação das músicas, como é que fazem pra sair um som louco?
Marcelo D2 - A gente nunca compõe assim: vamos fazer uma parada. Sempre o Formigão chega com uma linha de baixo, tipo "Zerovinteum", que surgiu assim. Aí o Gustavo diz "vamos fazer a letra". Não tem uma fórmula.
Mary 22 - O trabalho de vocês está dando certo. Porque ontem, na porta do Palace, dois gambés queriam fumar com a gente, lá na porta. O que você acha disso?
Marcelo D2 - Hipocrisia. Eu acho que o Gambé pode fumar também. Mas em serviço, não. Senão vai ficar viajando.
José Flávio - Hoje a molecada de 11, 12 anos curte Planet Hemp e sabe sobre maconha. Você acha legal a molecada já estar participando? Vocês são a favor da legalização de todas as drogas?
Marcelo D2 - Eu acho legal. Quando eu tinha 11, 12 anos, não se falava nem em sexo direito. A pior droga é a ignorância. Se as crianças forem ignorantes, estão fudidas. Vão crescer, virar um adulto ignorante e vai continuar essa palhaçada que está. Eu sou a favor da legalização de todas as drogas. Mas eu acho que hoje, no Brasil, a gente não tem estrutura para legalizar a cocaína. A gente poderia começar pela maconha. Droga mata muito menos do que o tráfico. A gente tem o direito de escolher o que usar. Mas o Brasil não tá pronto. Ainda tá muita bagunça.
Tiago, 16 - Eu gostaria de saber com que idade vocês começaram a fumar e qual é a relação da família de vocês com a maconha?
Marcelo D2 - Eu comecei a fumar com 15, 14 anos. A minha família odiava. Eu sempre trabalhei muito. Já fui camelô, trabalhei vendendo móveis, em obras. Todo mundo achava que eu era o maior trabalhador, aí descobriram que eu fumava maconha. Daí, mudou a idéia das pessoas sobre mim. Hoje a família tá sossegada. Apareceu na TV, todos batem palma.
Marcelo Eduardo, 20 - Você fuma um baseado na frente do seu filho de cinco anos?
Marcelo D2 - Claro. Não tenho vergonha disso. Ele não fuma. Quem fuma sou eu. A fumaça do cigarro faz muito mais mal. Não fumo baforando na cara dele porque senão ele vai ficar louco.
Samira, 15 - Vocês são polêmicos por falar a verdade. Eu quero saber a opinião de vocês sobre o aborto e a pena de morte.
Marcelo D2 - Sou a favor do aborto porque eu acho que a pessoa tem o direito de escolher. A gravidez, às vezes, não dá para evitar, por distração. E um filho muda muito a vida da pessoa. Sou contra a pena de morte. Vai matar um cara porque ele matou outro? Ué, que é isso, cara?
Você ainda anda de skate?
Marcelo D2 - Continuo andando de skate, mas sofri um acidente um tempo atrás, machuquei a minha perna. Daí, não dá muito para andar, mas o skate está na veia, cara. Sou skatista, não músico.

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