São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Não abandonem o Fuhrer

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Santo Agostinho dizia que foram criadas umas dez ou doze almas diferentes que seriam distribuídas por todos os bilhões de seres humanos. Apesar do número exagerado de criaturas no mundo, haveria apenas uma dezena de almas diferentes, ficando a história de cada alma sujeita às circunstâncias do tempo, do modo e da graça.
Foi disso que me lembrei quando soube pelas folhas que o presidente da República, no continuado comício eleitoral de seu governo, pediu que o povo não o abandonasse. Fui ao Joachim Fest, excelente biógrafo de Hitler, e lá encontrei essa mania do Fuhrer, na época em que ainda era candidato a ditador. Ele terminava seus discursos pedindo que não o abandonassem. Era um "leit motiv" -coisa tipicamente alemã, que encontrou melhor espaço na música de Wagner.
Bem verdade que Hitler, além de não querer ser abandonado pelo povo, tinha problemas imediatos para gerir: reivindicações territoriais antigas, supremacia racial dos melhores, inflação, desemprego, Tratado de Versalhes -uma cesta básica de metas que ditou sua circunstância e deu no que deu.
Mas sua alma, no fundo, era simples: não queria ser abandonado, tal como FHC. As circunstâncias do Brasil de hoje são diferentes das da Alemanha dos anos 20/30. Não temos um Tratado de Versalhes a nos proibir isso e aquilo, não consta que tenhamos reivindicações territoriais importantes, a não ser alguns poucos metros a mais na região amazônica -que em absoluto mudam o nosso mapa e a nossa glória.
Mas a solidão do Fuhrer pode ser letal. Ele já governa com as MPs. Derruba resistências usando os métodos que conhecemos: não persuade com argumentos, mas com cargos, e, nos casos mais difíceis, apela para Sérgio Motta, que tem a mala preta da persuasão mais eficiente.
Já dividiu o país em "empregáveis" e "inempregáveis". Em termos econômicos, são os neo-arianos e neonãoarianos. E não quer ser abandonado.

Texto Anterior: Anatomia de uma pizza
Próximo Texto: Telecomunicações: de volta ao futuro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.