São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 1997
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Futuro promissor

JANIO DE FREITAS

Apesar da má recepção que a medida provisória 1.523 teve no Congresso e, mais forte ainda, nos meios de comunicação e na imensidão de dependentes do INSS, por extinguir o acúmulo da aposentadoria miserável com a miserável pensão por viuvez, o que está levando Fernando Henrique Cardoso a reconsiderar a MP não é motivo político nem, muito menos, humanitário. É só uma consulta informal a ministros do Supremo Tribunal Federal, com a certeza posterior de que o governo seria derrotado nas ações contra a MP.
À margem dessa informação, porém, o que importa não é saber por que acontece o recuo, mas por que Fernando Henrique impôs (é isso que uma MP faz: impor) uma decisão de tamanho desprezo pelas necessidades de milhões de pessoas. Do qual a jornalista Tereza Cruvinel fez um precioso resumo com duas abordagens:
"Produzirá uma economia insignificante, pois no âmbito do INSS, onde a aposentadoria comum mais alta é de R$ 1.030, mais de 70% dos aposentados e pensionistas recebem um salário mínimo". Além disso, o fim da acumulação "dá o calote em milhões de mulheres que, recebendo o salário mínimo da viuvez, estão contribuindo há anos como autônomas ou como empregadas. A MP não só acabou com um novo ganho. Tirou-lhes tudo que já pagaram".
A MP foi ditada por um princípio do governo e sua alteração é ditada por uma conveniência circunscrita a um caso, sem alterar o princípio. Outras providências foram tomadas em simultaneidade com a emissão da MP contra as viúvas pobres.
O orçamento para 98 dos programas assistenciais, com os recursos destinados por lei ao auxílio a creches e idosos e deficientes incapazes de se sustentar, sofreu o corte de R$ 900 milhões no montante, já estrito, de R$ 1,6 bilhão necessário ao cumprimento de um tal Plano Plurianual do próprio governo. O Conselho Nacional de Assistência Social insurgiu-se contra o corte de quase 60%, mas sua atitude apenas o dignifica, porque no Planejamento, na Fazenda e na Previdência vai vigorar o mesmo de 96 e 97: o corte nos recursos para fins humanitários e sociais.
Está prevista para hoje a apresentação, pelo senador Beni Veras, do seu parecer sobre a "reforma" da Previdência. Será a oportunidade de se ver o que resultará do esforço dos senadores para encontrar uma fórmula menos brutal que a do governo, na exigência de seja extinta a paridade, ou tratamento financeiro idêntico, dos funcionários ativos e dos aposentados. Depois de todos os coices que já levaram, sem a paridade os quase 80% de inativos que recebem menos de dez salários mínimos, como aposentadoria, vão acabar igualados na penúria aos aposentados do INSS.
A composição mais provável, entre governo e senadores, é manter a paridade para aqueles quase 80% de inativos e, para os que recebem acima de dez mínimos, dar percentuais de correção tão menores quanto maior for a aposentadoria. Combinando-se esta sugestão do senador Roberto Freire com outro propósito do governo, de aplicar para os servidores o mesmo máximo indecente de R$ 1.030 das aposentadorias do INSS, temos já pronta e publicada a reportagem sobre as consequências.
Estava no "Globo" de domingo, feita por Laura Antunes, sob o título "Cientista aposentado vive da ajuda de amigos" e subtítulo "Doente, Elysiario Távora Filho, especialista em cristalografia, recebe, com descontos, apenas R$ 700 por mês". Não se trata só de um professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas de um professor e pesquisador com reputação internacional, chamado a dar cursos em numerosas universidades importantes no exterior, adoecido por efeito de suas pesquisas.
Como professor e pesquisador, estava e estaria ainda com vencimento superior a dez mínimos. Logo, se ainda na ativa e segundo o teto pretendido pelo governo, receberia aposentadoria de R$ 1.030. Brutos. Teria então, como terão os ativos de hoje pelo plano do governo, o mesmo que tem como velho e doente inativo: R$ 1.000. Brutos. Com os descontos, R$ 700. Inclusive para as despesas com a doença terrível. Vive de caridade. Como o governo deseja para os professores universitários atuais, com os seus futuros R$ 700 líquidos.

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