São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A arte da negociação contra o dogma tecnicista

LUÍS PAULO ROSENBERG

Mestre Janio de Freitas manifestou sua revolta com o preço mínimo fixado pelo governo para a venda do direito de exploração da banda B da telefonia celular em São Paulo.
Como pode ser, indagava nosso indignado colunista, que um consórcio se disponha a pagar mais de quatro vezes o preço mínimo fixado? Como as empresas que compõem o consórcio vencedor destacam-se pela notável competência em gerar lucros nos seus negócios, o preço correto é o deles, não o do governo.
Daí a raiva do colunista, por constatar que o governo exerce mal e porcamente o seu dever de zelar pelo patrimônio público, fixando um irrisório preço mínimo.
Quero reivindicar também o meu lugar no corredor polonês dos que atacam a forma como se conduz a privatização no Brasil, mas batendo em outro glúteo.
Eu perguntava ao leitor sensato e de boa fé: se você fosse vender sua casa, pagaria a um avaliador experiente em estimar o preço de sítios em Mongaguá para que ele fixasse o preço justo da sua casa ou contrataria um excelente corretor residencial, prometendo-lhe uma comissão se o negócio fosse bem fechado?
Como proprietário de empresa de consultoria capacitada a realizar um desses estudos de fixação do preço mínimo de privatização, corro o risco de ser linchado pelos meus colegas por estar esposando essa tese. Mas a verdade é que jamais entendi porque o governo joga fora milhões de dólares para que um grupo de consultores nacionais e estrangeiros tente definir "tecnicamente" quanto vale uma Vale, a telefonia celular de São Paulo ou o porto de Santos.
Métodos para fazer a avaliação não faltam. Todos convergem, entretanto, ao reconhecer que o valor presente da série de lucro anual projetado da estatal é o principal critério, a menos que se pretenda apenas esquartejá-la e revendê-la aos pedaços.
E aí está a contradição do processo: de seus modelos de projeção de balanços e de suas hipóteses sobre a evolução do cenário macroeconômico, do progresso tecnológico e do comportamento dos consumidores, os consultores extraem um número que pode até ser bom, mas jamais poderia ser tratado como o verdadeiro valor de uma estatal.
Como comparar as credenciais da melhor consultoria generalista do mundo com o instrumental desenvolvido e aperfeiçoado pela Bell South, quando se trata de telefonia celular?
Que consultoria teria a sensibilidade negocial para avaliar quanto representa estrategicamente dominar São Paulo para uma corporação americana ou japonesa?
É por isso que, em vez de um avaliador perneta que vai transformar uma estimativa rudimentar em parâmetro dogmático, preferiria que o governo selecionasse para cada privatização um banco de negócios de ilibada reputação para auxiliá-lo no processo, pagando-lhe uma comissão sobre o preço de venda alcançado.
O papel desse banco seria o de fazer o levantamento dos dados da empresa, processá-los e cair no mundo oferecendo a estatal aos interessados. Conduzir a negociação jogando um potencial comprador contra o outro, motivando um possível comprador desatento, eliminando dúvidas e atraindo o maior número de candidatos à compra.
No final do processo, quando o banco de negócios e o governo estivessem convencidos de que o preço máximo possível fora alcançado nos contatos individuais, passar-se-ia ao leilão, que seria quase sempre mero instrumento de referendar, com transparência, a negociação até então conduzida.
Pessoalmente, fico mais preocupado com leilões que saem no preço mínimo -um indicador de possível conluio entre os eventuais interessados- do que quando o preço efetivo de compra estoura em muito o trabalho de gabinete de quem nunca pôs a mão na massa.
Não é sem razão que no Brasil a maior divergência entre os dois preços tenha ocorrido na mais disputada das privatizações já realizadas: nada substitui o confronto de várias ganâncias como garantia de que não sairá vencedor, necessariamente, o amigo do rei.

Texto Anterior: Cortando custos; No meio do caminho; Crédito de plástico; Aparando arestas; Disputa vitaminada; Parada técnica; Driblando muros; Alvo nacional; Mudando o cerco; Para compensar; Dependência química; Na rede; Rédea na mão
Próximo Texto: Uma lei que produz riqueza
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.