São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 1997
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Farah levará presidentes à humilhação pública

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Permitam-me não gastar mais do que o necessário com esse lance farah-único que sugere eventual retirada dos clubes paulistas do Campeonato Brasileiro, num gesto de repúdio à imoralidade praticada pela CBF ao resgatar Flu e Braga da segundona.
Farah só quer os seus 15 minutos a mais de exposição na chamada mídia. Nem que isso signifique humilhar publicamente os presidentes dos grandes clubes, que terão de anunciar seu veto à proposta, diante de câmeras e lap-tops, como se isso representasse sua adesão à safadeza da CBF.
Se estivessem mesmo indignados com a mutreta, todos -Farah e cia- teriam se rebelado na hora em que se consumou o fato. Limitaram-se a um pífio comunicado à imprensa. Com isso, perderam o bonde (no caso deles, é ainda bonde) da moralidade.
Agora, têm mesmo é de carregar no lombo o fardo da cumplicidade.
*
Por falar nisso, vem de longe a alentada crônica de maracutaias dos nossos clubes. Não chego aos tempos bíblicos, onde um pregador da nova moralidade advertia os que atirassem a primeira pedra. Mas vou até o início da Primeira Grande Guerra, aquela, que, segundo alguns pensadores modernos, marcou o início do século que se finda e suas profundas transformações éticas.
Pois foi então que o Palestra Itália (hoje, Palmeiras) havia sido fundado e procurava uma casa própria para se exibir.
Lá estava, na Água Branca, o Parque Antarctica, com suas arquibancadas de madeira, onde os cavalheiros de chapéu de palhinha e as senhoritas de sombrinhas passavam as tardes de domingo.
A Cervejaria Alemã, dona do recinto, dispunha-se a fazer o negócio, desde que o Palestra convencesse Belfort Duarte a abrir mão da concessão de locação que mantinha há tempos.
Belfort Duarte, que hoje só se conhece pela célebre frase do zagueirão Moisés -"Beque que é beque não recebe o prêmio Belfort Duarte"-, já era um ícone da ética e da moralidade, dentro e fora do campo. O exemplo irretocado do cavalheiro dos velhos tempos.
Combalido pelo mal dos pulmões, Belfort Duarte recuperava-se num sitiozinho que se equilibrava no pico do Itatiaia, naquela época, um Himalaia de lonjura.
E o conselheiro palestrino, Vasco Stella, enfrentou a aventura de cinco horas de trem ao Rio e mais um tanto no lombo de um burro.
Lá chegando, finalmente, obteve a autorização. O ínclito cavalheiro daria, com bom gosto, a concessão ao Palestra.
Desde que, porém, o Palestra se comprometesse a brigar na federação pela volta, no ano seguinte, do seu América à primeira divisão do Paulista.
Stella, claro, topou na hora, mas nem teve de cumprir o trato: o América morreu antes, Belfort Duarte virou prêmio de bom comportamento, e a vida seguiu, como sempre, desde os tempos bíblicos.
*
Não deixe de ver a exposição de Rubens Gerchman, com textos de mestre Armando Nogueira, no espaço cultural do Banco Real, na Paulista. É uma bela e singular declaração de amor ao futebol.

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