São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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O Morgan e o risco Brasil

CELSO PINTO

O buraco das contas externas brasileiras é insustentável a longo prazo. Seria preciso crescer 17,5% ao ano para manter estável o atual desequilíbrio externo, o que é obviamente impossível. Um ajuste, portanto, é inevitável.
Esta é a conclusão de um estudo ("Some simple current account arithmetics") feito pelo banco americano JP Morgan e publicado no início do mês passado. Dos 21 países emergentes analisados, dois deles tem déficits insustentáveis, mesmo que deixassem sua dívida externa crescer até 100% do PIB: Brasil e República Tcheca.
Os tchecos, como se sabe, foram obrigados a desvalorizar sua moeda neste ano, pouco antes da Tailândia e de outros países asiáticos. A conclusão do estudo em relação ao Brasil não é que o ajuste será, necessariamente, uma desvalorização cambial, mas que ele terá de ocorrer: elevando, de alguma forma, a taxa de crescimento, e/ou reduzindo o déficit em conta corrente.
O mesmo exercício feito pelo Morgan para 1994 indicava o México como o país com situação insustentável, com números muito próximos aos do Brasil hoje. No caso mexicano, o ajuste veio por meio de uma forte desvalorização cambial, seguida por uma profunda crise e recessão.
O Morgan parte de dois pressupostos. Um deles é que um déficit em conta corrente será sustentável se o país estiver crescendo e, com isso, gerando capacidade futura de repagar sua dívida. Se a taxa de juro real é maior do que a taxa de crescimento da economia, a situação de longo prazo é insustentável, porque os passivos crescerão mais do que a capacidade de pagamento.
A outra suposição é que existe um limite para a capacidade de endividamento. A hipótese extrema é que a dívida externa chegue a 100% do PIB. Na prática, um país emergente provavelmente entraria em colapso antes de chegar lá. Mesmo nos tigres asiáticos, com a boa reputação das últimas décadas, esta relação não supera 50% do PIB.
A partir destes pressupostos, o estudo usa os dados dos 21 países do período 1996-98, reais e projetados, para o crescimento médio da economia, o déficit em conta corrente e a relação dívida externa/PIB. No caso do Brasil, o crescimento usado é de 3,6% ao ano, o déficit em conta corrente de 4,4% do PIB e uma dívida externa de 25% do PIB.
Como o estudo adverte, conforme a situação cíclica da economia, pode haver alguma distorção no crescimento. No caso do Brasil, contudo, os dados parecem razoáveis.
Com esses dados, o estudo faz três projeções simples. Primeiro para ver se é possível sustentar o desequilíbrio externo, sem elevar a dívida, a longo prazo. Para o Brasil, é impossível: isso exigiria um crescimento anual de 17,5%. Depois testa se seria possível estabilizar o buraco externo, permitindo que a dívida externa subisse a 75% e a 100% do PIB. Também nesses dois casos o Brasil não passa no teste.
Países que têm alto nível de reservas e conseguem emitir mais dívida podem ganhar tempo. O Morgan estima que se o Brasil aceitasse triplicar de 25% para 75% o tamanho da dívida externa em relação ao PIB, conseguiria financiar um déficit em conta corrente equivalente a 5% do PIB durante 10 anos. O problema, não mencionado no estudo, é saber se o mercado aceitaria continuar financiando o país mesmo vendo esse salto na dívida.
Entre os países com maior dificuldade para estabilizar seus déficits sem elevar a dívida estão Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia, que sofreram ataques às suas moedas, além da Coréia, África do Sul, República Eslovaca, peru e Turquia. Alguns países, como Peru e Malásia, ficam com situação sustentável se considerada a entrada de investimentos diretos. No caso do Brasil, a trajetória é insustentável mesmo com os investimentos.
Talvez este estudo ajude a explicar porque Avinash Persaud, chefe de Pesquisa de Moedas do Morgan na Europa, numa entrevista ao jornal Financial Times de 11 de julho, tenha citado a moeda brasileira como potencial candidata a um ataque especulativo.
Fla-Flu cambial
Meu colega Clóvis Rossi foi muito feliz ao reclamar ontem contra a "cultura fast food", que exige que tudo seja resolvido entre o espaço de duas edições de jornais. O risco que corremos no caso da crise monetária asiática e seus reflexos no Brasil é transformar o debate num Fla-Flu: cai a bolsa, ganha o Flamengo; sobe a bolsa, ganha o Fluminense.
A vida real é mais complicada. É óbvio que a instabilidade cambial em vários países emergentes afeta o Brasil de várias formas. É óbvio também que nem o Brasil, nem o mundo, nem a crise, acabam num dia. Melhor discutir a substância do que torcer por uma goleada do Fla ou do Flu.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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