São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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O alerta que vem da Ásia

MAILSON DA NÓBREGA

A situação em alguns países asiáticos reavivou a crítica à política cambial e foi usada como pretexto para um forte movimento de realização de lucros no mercado acionário terça-feira passada.
Existem três maneiras de o governo reagir ao que acontece naqueles países: 1) ficar indiferente; 2) atender aos críticos e efetuar uma forte desvalorização; ou 3) redobrar os esforços pelas reformas estruturais.
A primeira opção, a mais fácil, é a que nos tornaria mais vulneráveis a um ataque especulativo.
A segunda seria a de maior efeito corrosivo. No primeiro momento, os exportadores aplaudiriam e os críticos tripudiariam. Mais à frente, os primeiros se dariam conta do engodo e os segundos achariam um novo mote.
A desvalorização poria de novo em marcha a roda da inflação e o encurtamento dos prazos de reindexação. Restabeleceria regras de reajuste salarial com base na inflação passada.
A cultura da indexação continua viva. O que desapareceu por ora, graças à estabilidade, foram os reajustes de preços, salários e contratos a curtos intervalos.
Os reajustes anuais permanecem. Isso também acontece nos países de economia estável. Entre nós, contudo, a indexação anual seria a porta por onde entrariam os prazos menores caso voltasse a inflação elevada.
Uma forte desvalorização desacompanhada de um adequado ajuste fiscal produziria uma combinação de recessão e inflação.
Qualquer principiante nas complexidades de nossas finanças públicas sabe que, devido à rigidez orçamentária, é impossível realizar esse ajuste simultaneamente ou logo em seguida à desvalorização.
Economistas do BNDES calcularam recentemente os efeitos inflacionários de uma desvalorização sem ajuste fiscal. Por exemplo, uma desvalorização real de 10% provocaria uma inflação de 26% em seis meses.
A recessão viria da queda dos salários reais -acarretada pelo retorno da inflação- e do aumento dos juros. Mesmo com a indexação salarial restabelecida, sabe-se hoje que ela não é antídoto à perda de renda derivada do processo inflacionário.
O aumento dos juros seria a natural consequência da desvalorização. Haveria redução dos ganhos das aplicações em renda fixa, medidos em moeda estrangeira. Sem o aumento, ocorreria fuga de capitais para o exterior.
Os exportadores enfrentariam aumento de custos e queda de vendas no mercado interno. Seus ganhos finais seriam muito menores do que o ajuste nominal da taxa de câmbio. Em alguns casos, o efeito líquido poderia ser negativo.
Não quer dizer que seja impossível desvalorizar. Se uma crise ameaçar o fluxo de recursos externos, antes de ocorrerem mudanças estruturais em grau razoável, a desvalorização se tornará inevitável, mas com ela a estabilidade será ferida de morte.
O mais prudente, sem desprezo pelos riscos, é manter a atual política. O deslizamento da taxa nominal de câmbio produzirá ganhos reais ao longo do tempo, os quais podem ampliar-se pelo aumento de produtividade decorrente das reformas.
O certo não é o caminho da desvalorização, mas preservar o desafio à reestruturação do setor privado e à reforma do Estado.
De qualquer modo, vale o alerta da Ásia. Não haverá sustentação eterna para políticas cambiais como a do Brasil se o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos adquirir uma trajetória explosiva de deterioração.
A situação piorará se, como parece ser o nosso caso, a utilização da poupança externa servir para cobrir o aumento do consumo doméstico e o déficit do setor público.
A lição é a de que não devemos esmorecer nos esforços por reformas para restaurar um regime fiscal sadio, aumentar a taxa de poupança doméstica e atacar para valer os nossos custos sistêmicos (o chamado "custo Brasil").
Essas mudanças, como é amplamente sabido, exigem a preservação do esforço de reforma da Constituição, privatização, concessão de serviços e controle de gastos onde for possível.
Além disso, as dificuldades para reformar, impostas pela anacrônica organização do sistema político, requerem saídas inovadoras para reduzir definitivamente a despesa pública, como a do pouco compreendido fundo de ativos proposto por Raul Velloso.

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