São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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A competitividade do trigo brasileiro

ANTENOR BARROS LEAL

Até 1990, o governo detinha o monopólio de compra e venda de trigo em grão. Adquiria toda a produção nacional e importava complementarmente. A pesquisa e a triticultura empenhavam-se no sentido da produtividade, quilos por hectare, sem preocupação quanto à qualidade da farinha resultante.
Posteriormente à desregulamentação do setor, a importação da Argentina foi estimulada pelos mecanismos do Mercosul e pela melhor relação custo-benefício.
Na nova conjuntura, com o mercado livre, sobreviveria o trigo nacional? É sabido que os nossos custos por hectare, diante de condições climáticas desfavoráveis, a exigir intensivamente dispendiosos insumos, são superiores aos da "pampa húmeda", a imensa planície argentina, maravilhosamente estruturada para a cultura do trigo.
Em contrapartida, obtemos aqui duas safras por ano, rateando os custos fixos e a menor distância para o mercado consumidor (não fosse a péssima infra-estrutura: o custo de frete de uma tonelada entre o Paraná e São Paulo é maior do que do Canadá para o porto de Santos!). Desempatando em favor das importações estão o famigerado vilão "custo Brasil" e a questão da qualidade da farinha.
Nos anos de safras menores, reduzem-se os subsídios imperialisticamente praticados por EUA e União Européia, com repercussão direta nas cotações argentinas e relativo desafogo do produtor nacional.
Essa, porém, não é a regra, sendo ele também desestimulado pela inexistência de mecanismos de mercado futuro, capazes de custear estoques produzidos em um trimestre e consumidos ao longo de todo o ano.
Mercê desse conjunto de fatores, a última safra colocou-se no nível de metade da obtida em 1987 e as expectativas para as próximas são semelhantes.
Para elevar a competitividade do trigo brasileiro, a saída disponível aos produtores consiste na melhoria da qualidade, do que resultará sobrepreço expressivo.
Cerca de 80% da farinha são aplicados na panificação e indústria de massas. Para os moinhos, são clientes cada vez mais exigentes. Com a liberação do comércio, o setor primário foi surpreendido por esse novo requisito, e um notável esforço foi empreendido na substituição de variedades, a partir do critério de força de glúten, ou seja, a aptidão para a panificação.
Nas terras ácidas, entretanto, que compreendem o centro-sul do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, responsáveis por pouco mais de uma terça parte da produção, não dispomos ainda de cultivares competitivas sob o prisma da qualidade. No restante do Paraná, em São Paulo e no Mato Grosso do Sul, são plantadas algumas variedades suscetíveis à germinação na espiga quando ocorrem chuvas na colheita, o que prejudica o desempenho da farinha.
Essa batalha por qualidade deveria motivar todos os segmentos do setor trigo. Há, entretanto, os que, saudosos do monopólio estatal, lutam pelo estabelecimento de barreiras para restringir as importações do cereal.
No Ministério da Agricultura discute-se, atualmente, a revisão da portaria de classificação oficial do trigo, estando postadas posições antagônicas.
De um lado, segmentos fazem a defesa de padrões mais exigentes quanto à qualidade, sanidade e à limpeza do cereal, buscando torná-lo competitivo perante os importados. Outros pleiteiam níveis mais complacentes na classificação, nivelando por baixo a qualidade mínima, ao mesmo tempo que reivindicam intervenção estatal para assegurar o escoamento das safras.
Ao lado, na espreita, está o mercado, onde só crescem os que respeitam suas regras imutáveis, que determinam melhor preço por maior qualidade.
Não vemos futuro para a produção do trigo a não ser aquele em que, como na soja, o Brasil se tornou um importante "player" no mercado mundial. Isso significa que temos todas as condições para produzir mais de 15 milhões de toneladas anuais, com qualidade e capacidade de, além de abastecer plenamente o mercado, disputar, com os excedentes, a crescente necessidade do resto do mundo.
Viabilizar crédito a preço coerente e revitalizar os moribundos institutos de pesquisas são as únicas funções que cabem ao governo. Do resto cuida a iniciativa privada.

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