São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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Allen Ginsberg

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Judeu, gay, anarquista, drogado e hippie, entre outras coisas -não há minoria ou exceção da qual o norte-americano Allen Ginsberg (1926-1997) não tivesse feito parte antes de morrer septuagenário.
Em praticamente todos os outros países ou regimes do planeta, ele teria, neste século 20, chegado ao fim antes, provavelmente de modo violento.
Nos EUA, ele foi celebrado como o poeta mais famoso de seu país, e as principais antologias de poesia contemporânea -acadêmicas ou vanguardistas, conservadoras ou contestadoras- reservam-lhe um lugar de destaque.
Os americanos apreciam muito a Pablo Neruda e, sob certos aspectos, Ginsberg é o Neruda americano. É possível que o crítico Harold Bloom aprovasse essa afirmação, lembrando que o ponto de partida do chileno -um outro americano, Walt Whitman- é o mesmo que o de Ginsberg.
Mas, se o autor de "Canto General" fascina os anglo-americanos com seu exotismo -"Era o crepúsculo da iguana..."-, o poeta de "Uivo" lhes é tão familiar como o proverbial "apple pie".
A convergência de ambos está mesmo na verborragia, na capacidade de acumular fatos, dados, pessoas, coisas, o que quer que seja, em versos e mais versos, formando poemas e mais poemas que são no fundo um único poema ininterrompível, ou melhor, interrompido somente pela morte do autor.
O melhor da poesia moderna se caracteriza pela síntese, pela contenção e pelo controle. Além disso, a tradição inglesa requer o "understatement", ou seja, dizer o essencial nas entrelinhas.
Ginsberg, com sua incontinência total, faz parte, até mesmo nisso, de uma minoria. O contexto cultural ao qual pertence e seu inesperado prestígio fazem dele uma minoria de um. Para todos os efeitos, ele existe como um contra-exemplo.
Nem por isso seu desbordamento é mais fácil de ser traduzido do que toda a sutileza de Eliot, Stevens, Williams, Pound.
O delírio da(s) gíria(s), das referências específicas, particulares e frequentemente crípticas é uma verdadeira dor de cabeça para qualquer tradutor que, além da imaginação, precisa frequentemente se valer da intuição e da adivinhação para se aproximar de um resultado legível enquanto, do alto de sua nuvem beat no outro mundo, o poeta deve rolar de rir do esforço dos pobres mortais.

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