São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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Paul Auster revela em obra seus anos de fome

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

A primeira pergunta que "Da Mão Para a Boca", o mais novo livro do escritor Paul Auster, provoca é o da razão de sua própria existência: por que, depois do reconhecimento popular -e crítico-, escrever a crônica dos anos de fome e falência emocional?
São 396 páginas que trazem um texto inédito e três apêndices com o resultado de suas primeiras tentativas em se tornar um autor: três peças de teatro, um romance policial, escrito sob o pseudônimo de Paul Benjamim, e uma explicação de como jogar beisebol com um baralho. O volume importa pouco. O que interessa são suas 50 primeiras folhas. A razão: o fato de não se tratar, como sempre em seus livros, de uma experiência íntima disfarçada em ficção (pós-moderna, para alguns), e sim o inverso.
Trata-se, portanto, de um relato pessoal que a cada linha coloca o leitor no território da dúvida, porque a vida de Paul Auster, e os seus casos, em tudo parece uma criação.
Abruptamente, nas linhas inicias, Auster avisa que, desta vez, não contará mais a trajetória de um ser imaginário, e ordinário, às voltas com imprevisíveis acontecimentos fantásticos.
Agora a história mundana será a sua. E o único fato incomum, descobriremos no final, é o de ele ter sobrevivido.
"Dos vinte e muitos aos trinta e pouco anos de idade", escreve Auster, "passei por um longo período em que tudo que eu tocava dava em fracasso. Meu casamento terminou em divórcio, meu trabalho como escritor não levava a nada e eu vivia atormentado por problemas financeiros".
Esse será o tom de Auster, o lamento. Acompanhamos em sua escrita as dificuldades causadas depois de ter tomado a radical decisão de "pretender ser um escritor na América".
Ele nos conta suas idas e vindas como marinheiro, a permanência em Paris -quando foi contratado para reescrever um roteiro para um rico produtor de cinema-, as traduções que fazia para sustentar mulher e filho e a esperança que teve um dia de enriquecer criando um jogo para crianças.
Mas, curiosamente, apesar de seu tom inicial, sobra muito humor na narrativa que, por muitas vezes, se assemelha a um romance picaresco. Um tom involuntário de graça que é a consequência de um simples fato: entre a escolha certa e a errada, Auster parece sempre optar pela segunda.
Um romancista que surgiu na nova geração de autores nova-iorquinos em meados dos anos 70, ao lado de Don DeLillo ("Ruído Branco"), que assim como ele vive no Brooklyn, em Nova York, Paul Auster, depois de tentar a poesia, tornou-se conhecido em um pequeno círculo pela prosa, após escrever três pequenas histórias que retrabalhavam os clichês do romance policial.
Reunidos em "Trilogia de Nova York", as histórias fizeram de Auster um nome a ser acompanhado nos EUA e um verdadeiro herói entre os franceses, que viam em seu trabalho uma tentativa -bem sucedida- de escrever sobre a própria linguagem e seus limites.
Mas, para tornar-se um autor reconhecido do grande público, teve que dar as costas aos livros (depois do fraco "Mr. Vertigo", seu último romance publicado) e chegar ao cinema.
"Cortina de Fumaça" e "Sem Fôlego", dois projetos com o diretor chinês Wayne Wang, lhe renderam mais fama e reconhecimento que todos os livros juntos.
No momento, prepara a volta à ficção com "Dream Days in Hotel", romance que será publicado pela editora Viking, nos Estados Unidos, em novembro, de que "Da Mão Para Boca" serviria como um preparativo.
E de que maneira ele espera que o leitor aguarde? Em princípio, oscilando entre a esperança de que possa voltar à velha forma e a incerteza de que permanecerá aprisionado em seus próprios maneirismos.
"Da Mão Para a Boca", que tem como subtítulo "Crônica de Um Fracasso Inicial", parece evidenciar a segunda hipótese. Talvez seja esse o resultado de um profundo projeto de saneamento. Antes de enfrentar o mundo ou a América com sua ficção, Paul Auster parece querer limpar o velho baú, de que os restos nos interessam apenas como curiosidades.

Livro: Da Mão Para a Boca
Autor: Paul Auster
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: R$ 28 (396 págs.)

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