São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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Artista quer mais mercado

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Chico César é ainda fenômeno por ser analisado no seio da MPB. Artista que até hoje não arriscou um milímetro -e "Beleza Mano" é nova peça comprobatória-, tem atingido em cheio os humores de camadas de público que vão da intelectualidade ao povão.
Poderia ser tomado como caso excepcional num cenário quase sempre previsível, mas este terceiro trabalho coloca o programa de Chico César um pouco além do mero acaso.
Primeiro: de CD a CD, desde "Aos Vivos" (95), só tem aumentado o furor pelas convenções populares de comercialismo e vulgaridade.
"Beleza Mano" abusa de reggaes, lambadas, quase-axés, melodias de percepção imediata a ouvidos menos exigentes.
Abusa de sopros de levada caribenha, fazendo-se às vezes ("Se Você Viajar", "Papo Cabeça") quase um Skank que se tomasse a sério. Aí parece projeto de encomenda ao consumo voraz e indiferenciado das rádios, artista a não ser tomado a sério por não se tomar a sério.
Segundo: acontece que suas pretensões são bem maiores -apressa-se a se classificar "herdeiro do tropicalismo".
Mencione-se aí a tão falada semelhança com Caetano Veloso. Sim, Chico ainda parece, nas canções mais melancólicas ("Duas Margens", "Onde Estará o Meu Amor"), Caetano brincando de ventríloquo.
No geral, até tenta afastar-se do padrasto. Mas, quando o faz, achega-se de vez a Gilberto Gil ("Reprocissão", infeliz apropriação "antropofágica" da idosa canção de protesto do baiano), o outro arquiteto de transformações que deixaram de ser novas há 30 anos.
Fugindo de Caetano, acaba por namorar as fases mais aquosas de Gil -do reggae oitentista, infértil por excelência.
Aí cai em conflito com a estirpe de poesia que pretende: a loa pós-concretista que Caetano instalou e outros insistem em ressuscitar a cada canção.
Mas absorve menos o concretismo que o ego desmedido de Caetano. Em "MPB's" (96) se julgava a sós com a MPB, hoje se diz "peixe-boi, feixe-luz" (leia letra ao lado).
Jovem em ascensão, não precisava disso. Talvez possa vir a se fazer feixe iluminador da MPB, mas é o público -não o próprio artista- que deve chegar a tamanha conclusão. De gênio, por ora, basta Caetano...
Terceiro: na condição de mais bem produzido -e mais complexo em termos de arranjos e sonoridade- de seus trabalhos, "Beleza Mano" estende os olhos à "world music".
Desde a réstia pós-moderna de convivas -Mestre Ambrósio, Arrigo Barnabé, Lokua Kanza (em "Neném", que Paul Simon podia ter incluído em "Graceland", de 86), Lulu Santos-, "Beleza Mano" quer mercado, muito mercado.
Pode, agora, cair no mundo, convenientemente rotulado de "world artist". Com tudo isso, Chico César parece mais estar atirando a muitas -e ambiciosas- direções divergentes, com gana perigosa. O resultado pode ser um artista globalizado -ou um artista perdido.
(PAS)

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